sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Imaculada Purificação de Maria


Lutero certamente não via Maria como uma mulher qualquer, suas citações sobre ela são bem difundidas na internet, especialmente por sites católicos querendo mostrar que o que foi pregado nos tempos da reforma não é o que vemos hoje no grosso do protestantismo. Talvez esta visão de Lutero com uma mariologia elevada seja uma surpresa para estes novos ramos que tem surgido, embora de modo algum um choque para nós. 

Um ponto que costuma gerar questionamentos, estretanto é como ele entendia a santidade de Maria, já que nenhum tratado foi escrito por ele especificamente sobre a questão. Mas podemos ver claramente a visão deste que para nós foi o principal reformador através de seus abundantes escritos. 
Lutero tinha uma visão bem elevada sobre Maria, algo bem distante do que podemos ver no protestantismo moderno. Talvez o que mais surpreeenda nisto é que em 1522 ele já tinha escrito: 

"Ela é cheia de graça (voll Gnaden), proclamada para ser inteiramente sem pecado, algo muito grande. Pois a graça de Deus a preencheu com tudo de bom, de modo que ela fosse desprovida de todo o mal." 

Em um sermão pregado em 1527, no dia da concepção da Mãe de Deus, assim diz um trecho de seu sermão: 

“É uma crença doce e piedosa que a infusão da alma de Maria foi efetuada sem pecado original, de modo que mesmo na infusão de sua alma, ela também foi purificada do pecado original e adornada com os dons de Deus, recebendo uma alma pura infundida por Deus; assim, desde o primeiro momento em que ela começou a viver ela estava livre de todo pecado." 

Lutero expressa até 1530 uma mariologia que aponta para seu nascimento imaculado, isto é, não apenas purificada, mas totalmente livre da concupcência ( segundo Santo Agostinho é a concupcência que transmite o pecado original). Isto implica dizer que ele cria a confessava que o momento da infusão da alma quando Maria ainda estava no ventre já foi feito de modo que ela nascesse perteitamente livre da inclinação para o mal, da desordem. 

A partir de 1530 começamos a ver Lutero amadurecendo a Theologia Crucis, e seu foco cristocêntrico estrito. Com isto, Lutero começa a rever o conceito da imaculada conceição, e , num momento mais maduro de sua caminhada, entende que não deve haver purificação completa sem Cristo, nisto, vemos uma retratação da posição assumida anteriormente, Lutero então defende a tese da imacula purificação de Maria. Ao invés de longos tratados sobre o assunto, Lutero novamente muda a ênfase da mãe para o Messias. Ao invés de discutir a impecabilidade de Maria, ele insistiu que a impecabilidade de Cristo deveu-se inteiramente à obra milagrosa do Espírito Santo durante a concepção. Em 1532 ele pregou: 

"Mãe Maria, como nós, nasceu em pecado de pais pecadores, mas o Espírito Santo a cobriu, santificando e purificando-a para que esta criança nascesse de carne e sangue, mas não com carne e sangue do pecado. O Espírito Santo permitiu à Virgem Maria continuar a ser um verdadeiro ser humano, natural de carne e sangue, assim como nós. No entanto, ele repeliu o pecado de sua carne e sangue para que ela se tornasse a mãe de uma criança pura, não envenenada pelo pecado como nós somos ... Pois, nesse momento em que ela concebeu, ela era uma santa mãe cheia do Espírito Santo e seu fruto é um fruto puro e santo, ao mesmo tempo Deus e verdadeiro homem, em uma só pessoa." Martin Luther, Sermões de Martin Luther, Vol. 3, ed. John Nicholas Lenker. (Grand Rapids: Baker Books, 1996), 291. 

De mesmo modo, na disputa de Lutero sobre a Divindade e a Humanidade de Cristo em 1540, ele afirma: 

Destaco a [premissa] maior: toda pessoa está sujeita aos vícios do pecado original exceto Cristo. Toda pessoa que não é Deus em pessoa, como Cristo, tem concupiscênica; mas o homem Cristo não a tem, porque é Deus em pessoa, e na concepção toda a carne e sangue de Maria foram purificados,de sorte que não restou nenhum pecado. Pois diz bem Isaías [53.9]: "Não se encontrou dolo algum em sua boca." Por outro lado, toda descendência foi viciada, exceto Maria. (Obras Selecionanas vol 2 p.288) 

Assim podemos perceber a posição que Lutero adotou: Maria não poderia ter nascido sem a concupcência, pois ela encerra todos os homens e mulheres em sua condição natural. Ela nasceu de ventre comum, logo ela também a herdaria. Por outro lado, também afirma que Cristo não veio de um ventre impuro, nem herdou a concupcência. Como resolver a questão? Maria teve uma dupla purificação, a primeira, em seu nascimento a preparou para receber a segunda e ultima, a purificação final que a livra da concupcência e por fim, torna-se a pura e santa virgem que dará a luz ao Homem-Deus 

De modo surpreendente, Santo Tomás de Aquino já havia considerado uma purificação de Maria no momento da concepão de Cristo cerca de 300 anos antes: 

Por isso parece melhor pensarmos que, a santificação no ventre materno não isentou a Santa Virgem da concupiscência, na sua essência, mas os seus efeitos ficaram paralisados. (...) Mas, depois, na concepção mesma da carne de Cristo, quando primeiramente devia refulgir a imunidade do pecado, devemos crer que do filho redundou ela para a mãe, ficando então totalmente eliminada a inclinação para o pecado. E já isso estava figurado na Escritura, quando diz: Eis que entrava a glória do Deus de Israel pela banda do oriente, isto é, por meio da Santa Virgem; e a terra estava resplandecente pela presença da sua majestade, isto é de Cristo. (Suma Teologica, pars tertia, Q. 27, art 3) 

Ao contrário de romper com o pensamento cristão até sua época, o que vemos é Lutero seguindo uma linha do escolasticismo ensinado por Santo Tomás de Aquino. Podemos então dizer que Lutero se rebelava contra um dogma de fé católica que é a imaculada conceição de Maria, definido em sua extensão exata apenas em 1854 por Pio IX? 

Em certo sentido sim, se considerarmos que o dogma católico define o momento da graça especial de Deus tenha sido o momento da concepção de Maria, mas, se considerarmos a remoção do pecado original, o que é a essência do pensamento Tomista-Luterano, então ele não negou o dogma. 

Lutero nunca acreditou que o ato divino tivesse ocorrido na concepção de Maria, pois cria que este teria ocorrido em sua animação (o recebimento da alma), o que ele distinguia da concepção (como a maioria dos escolásticos, incluso Santo Tomás o faziam também). O que mudou foi simplesmente o tempo da ação divina, que passa da animação para a concepção de Cristo. 

O que permance então é sua visão que Maria, por uma ato extraordinário de Deus, foi liberda do pecado original e do pecado atual também. Este pensamento, até onde se possa levar é extremamente católico! 

Considerando tudo, devemos pensar na posição de Lutero a Imaculada Purificação de Maria não como sendo idêntica à posição católica (que se tornou dogma apenas séculos depois de sua morte), nem mesmo idêntica a como o protestantismo mundo a fora tem também atribuído.