segunda-feira, 22 de junho de 2020

Gálatas: Como ser um cristão que gera frutos?



“E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.” Gálatas 5:24,25

É interessante como muitas vezes somos ensinados desde pequenos a ler esta passagem: isto é uma obrigação! Devemos crucificar a carne, temos que andar no espírito! Então pegamos aquela lista que Gálatas faz do fruto do Espírito para examinarmos a nossa vida. 

-Que parte deste fruto está faltando em você? Será que você está com seu cristianismo em dia? O que eu deveria fazer para ser um cristão de verdade? O que é a carne afinal? Eu estou na carne?

Estas e muitas perguntas do tipo são bem comuns, e por isto, vale uma dica para lermos este livro da Bíblia:

Carne, para a carta aos Gálatas é a natureza caída do ser humano, em seus pecados e delitos. Sempre que o termo é citado, isto não tem relação com a carne física, mas sempre demonstra um modo de vida longe de Deus. O que se opõe a carne é o Espírito. E neste caso, não estamos falando do espírito humano, mas da própria vida ligada a Deus. Isto é importante! Muitos tendem a ler Gálatas como um padrão de vida moral que devemos buscar, mas não é isto o que Deus nos fala nesta carta. O tema é sempre que existe a carne, e ela deseja coisas que lhe são próprias, e existe o Espírito, que opera em nós, crentes, o que lhe é próprio. O grande tema é mostrar que quando buscamos qualquer participação no viver espiritual, ainda que isto pareça ser piedoso, ou seja, do Espírito, Paulo é claro em dizer que isto é a carne também. Na carne nós tentamos fazer coisas, obras; no Espírito entendemos que nada pode ser acrescentado ao que já está feito.

Só neste ponto já há algo importante, pois muitos confundem mesmo, Gálatas fala que é ruim e pecaminoso a carne, e nisto, muitos realmente pensam que Paulo está falando da carne no sentido humano, físico, e daí alguns pensamentos como o de Jesus não ter assumido totalmente a carne humana, ou que na ressureição ele deixou o corpo carnal no túmulo e que saiu de lá só como espírito, que Jesus não é mais carne e osso agora, ou ainda que no dia final, nós viveremos eternamente como espíritos, com “corpo espiritual”, e não que viveremos em nossa mesma carne de agora, só que livres do pecado.

Enfim, Gálatas não fala que a carne (física) e ruim, não fala da luta de igual pra igual entre carne e espírito (quem já ouviu aquela: “ganha o lado que você alimentar mais”) não fala que devemos olhar o fruto do espírito para medir a nossa vida, nem que devemos buscar fazer algo para sermos espirituais, ou “crentes melhores”

Esta carta não é sobre o que nós fazemos por Cristo, para isto tem referências melhores, mas é uma carta toda nos mostrando o oposto: o que Cristo fez, e alguma nota sobre como isto se reflete na vida.

Voltemos ao texto:


“E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.” Gálatas 5:24,25


“Crucificaram”, literalmente: εσταυρωσαν (Aoristo, indicativo ativo, terceira pessoa do pural) isto tudo significa dizer: crucificar aqui etá num tempo verbal que significa algo importante: é uma ação pontual e concluída no pasado. Se tivéssemos que tomar Gálatas todo como um padrão de vida moral, crucificar a carne não seria algo concluído no passado, mas algo constante, um dever diário, entretanto, aqui falamos em algo concluído e perfeito. Houve um momento no tempo onde nossa carne encontrou sua derrota, e este momento se liga à cruz. Isto não significa que estamos totalmente livres do mal, mas que esta derrota da carne já está selada, e já vivemos portanto num tempo onde este “crucificar da carne” é um evento concretizado.

“Se vivemos”, literalmente: Εάν ζώμεν, gosto desta exposição da edição de Bambas da bíblia grega, justamente por deixar exposto com muita clareza algo que no portugues parece ter outro sentido. Quando pensamos em numa condicional “se”, automaticamente somos levados a pensar nisto como uma condição que deve estar presente se queremos o resultado que vem depois “Se voce passar na faculdade, eu te dou um carro!” Ou seja, eu preciso me certificar de cumprir um requisito se quiser ter o resultado dele, mas no grego, língua em que o Espírito Santo inspirou a bíblia para ser escrita, não é exatamente assim. Este “se” é retratado como um grau máximo de certeza, do mesmo tipo que se usa para descrever um fato científico, ou seja, Deus não está usando este texto para nos fazer olhar para nossa vida e avaliar “se vivemos pelo Espírito”, mas ele constata uma verdade da qual não há dúvida: “já que vivemos pelo Espírto...” então segue-se a consequência natural disto “andamos pelo Espírito”

Com tudo isto, Deus não está esfregando a carta aos Gálatas diante de nós, nos mandando olhar para nossa vida e nos perguntarmos: “será que eu vivo no Espírito?” Mas na verdade a mensagem dele para nós, que cremos em sua obra, é: não olhe para a sua vida para buscar alguma justiça, olhe para o Espírito!

Se olhamos para o que podemos fazer, nós não chegamos a Deus, nem mesmo se cumprissemos toda a lei de Deus de modo perfeito, ainda assim não chegaríamos a Deus. Por isto, vivemos pelo Espírito, pela fé, e pela fé somente.

sábado, 20 de junho de 2020

A Tradição e as Escrituras


É claro que para que se fale adequadamente da relação entre a tradição e as escrituras, há que se ler muitas páginas e muitos temas devem ser analisados com a devida cautela. Portanto, não há uma intenção de que este pequeno comentário seja exaustivo, mas definitivamente, um comentário de Gerhard em seu Loci Theologici levanta um ponto relevante sobre a questão: A palavra de Deus, seja oral ou escrita deve transmitir a mesma mensagem, no demais, deixo que o próprio Gerhard exponha seu argumento: 



Não há diferença real entre a Palavra de Deus e as Escrituras.

Da regra da lógica: "Um acidente não muda a essência de uma coisa". É um acidente [accidit] à Palavra de Deus, ser enunciado oralmente ou consignado à escrita. É uma e a mesma Palavra de Deus, quer nos familiarizemos com ela por meios orais ou escritos, porque nem a principal causa eficiente, nem a material, nem a forma interna, nem o seu fim mudaram.

Pelo contrário, apenas os meios de revelação no uso instrumental [in usu organico] variam. Em Ex. 20:13 está escrito: "Não matarás". Essa afirmação é idêntica àquela que foi posteriormente falada e repetida oralmente por Cristo (Mt.5:21).

Da consequência absurda: Se a Palavra fosse dupla, escrita e não escrita, o Evangelho seria duplo e a promessa da graça, dupla. O apóstolo dá testemunho do contrário (Gl.3:15-16). Se houvesse uma divisão da Palavra em escrita e não escrita, não seria a divisão de um sujeito em seus próprios acidentes, mas uma divisão de genus em espécies; assim, envolveria a própria essência da Palavra. A conseqüência seria que, uma vez declarada, a Palavra de Deus desapareceria e, quando os livros fossem destruídos, a Palavra de Deus seria destruída. Existem muitos outros absurdos desse tipo. Cristo dá um testemunho oposto em Lucas 21:33 e Is. 40: [9].