terça-feira, 17 de julho de 2018

Bultmann e os mitos sobre Jesus



Antes de mais nada, já adianto, este artigo terá uma vocabulário um pouco mais técnico. 

Uma famosa obra teológica neotestamentária do século XX, Escrita por Rudolf Bultmann, como se bem sabe, colocou ensinamento de Jesus deliberadamente de lado, vendo-os como pressuposto da teologia neotestamentária e não como parte integrante de seu conteúdo, dispensando-lhe, por isso, atenção mínima em sua discussão. 

Há, é claro, um sentido específico no qual ele está certo. Se estamos escrevendo uma teologia do Novo Testamento, e Jesus não foi autor de nenhum de seus livros, logo, podemos concluir que o pensamento e o ensinamento de Jesus não são o pensamento e o ensinamento dos autores neotestamentários. Da mesma forma, ao incluir em sua obra uma discussão bem mais profunda acerca do querigma das igrejas primitivas e helênicas, ele coerentemente também classificou esse tópico como um dos pressupostos e temas da teologia do novo testamento e não como uma das partes da própria teologia. 

Entretanto esse argumento pode ser refutado com base na observação de que os ensinamentos de Jesus foram inseridos no Novo Testamento pelos autores dos Evangelhos. Eles consideravam ser a sua tarefa relatar grande parte de que Jesus havia ensinado e ao fazê-lo, aceitar esses ensinamentos como parte integrante de sua própria mensagem. Nós também devemos seguir por esse mesmo caminho. Em um livro que estuda a teologia do novo testamento, a ênfase deve recair sobre os ensinamentos de seus verdadeiros autores. Porém também deve ser dada atenção à figura do próprio Jesus na medida em que ele foi uma das fontes principais do pensamento dos Evangelistas. 

No Entanto, de que forma isso deve ser feito? Devemos destacar aqui que os Evangelistas consideraram importante não apenas registrar os ensinamentos de Jesus, mas também apresentar em seus Evangelhos, de forma mais profunda e tematicamente organizada, a história da vida de Jesus, ou melhor, as partes de sua história que entenderam relevantes para suas audiências. É altamente significativo o fato de que existem cristãos que sentissem necessidade de deixar registrada a forma como eles viam entendiam a vida de Jesus, isso numa época em que muitas das epístolas já haviam sido escritas e algumas já eram presumivelmente conhecidas em outros locais, além de seus destinos originais. Consequentemente, Isso mostra que, embora houvesse teólogos entre os primeiros cristãos, como São Paulo, a falta de informação a respeito da vida e obra de Jesus deixava extremamente insatisfeita a Igreja primitiva, que desejava ver a teologia das epístolas dentro de um contexto mais amplo, ou seja, em uma integração com a vida e os ensinamentos de Jesus realizada pelas obras teológicas que hoje conhecemos como os Evangelhos. Assim, o Jesus histórico e os seus ensinamentos foram inseridos no Novo Testamento e, portanto, em sua teologia por meio fundamentalmente dos Evangelhos. 

Poderíamos dizer então que Jesus histórico é relevante para teologia do novo testamento em 3 níveis: 

Primeiro: Jesus, mais que qualquer outro que se possa imaginar é a figura histórica cuja obra e mensagem constituem a base e a formação da configuração da igreja. Desse modo, Jesus tem direito de ser ouvido por aquilo que representa. 

Segundo: a atuação histórica do mestre é o ponto de partida de todo o cristianismo de toda prática e pensamento Cristão, portanto nada mais apropriado do que um estudo sobre a influência de Jesus. Nesse sentido ele é o pressuposto da teologia de seus seguidores. Podemos aqui dizer que este foi o ponto sobre o qual Bultmann se deteve em sua análise, talvez até certo ponto, um pouco do primeiro, mas não na exata extensão do registro Bíblico, uma vez que seu revisionismo exclui material que ele atribuiu a supostas fontes cuja existência ou entender cristológico sequer pode ser traçado. 

Terceiro: Jesus é o tema da reflexão dos Evangelhos, logo as obras dos Evangelistas devem ser vistas como parte significativa na busca por uma teologia do novo testamento. 

Considerando-se esses três níveis, o tratamento que Bultmann conferiu a mensagem de Jesus restringiu-se apenas ao segundo nível e ele, de alguma forma, deu um jeito de omitir o terceiro nível, fornecendo um clássico exemplo de como matar com êxito a teologia neotestamentária. Bultmann, por fim, ao invés de analista dos documentos da igreja primitiva, projeta para sua obra seu ceticismo com relação à maior parte dos registros existentes e sua convicção de que história das realizações de Jesus era irrelevante para a fé cristã. Para ele, o que realmente importava e os desafios existencial das poucas palavras que poderiam ser seguramente atribuídas a Jesus. 

Assim, continua existindo uma grande divergência entre estudiosos e dogmáticos que defendem que os Evangelhos sinóticos oferecem um panorama bastante confiável sobre a forma como Jesus agia e falava, e estes revisionistas que sustentam serem duvidosas as narrativas dos Evangelhos, sustentando que há alguma diferença substancial entre o Jesus histórico e o presente na narrativa Bíblica. 

Deve-se discutir a teologia de Jesus da maneira como nos é apresentada pelas Evangelhos, com base no sólido pressuposto que as apresentações de Jesus que encontramos nos Evangelhos sinóticos são próximas o suficiente da realidade histórica de forma a compreender a sua mensagem e missão. 

Evidentemente, Bultmann, que encabeça este artigo não é o único que por estes fundamentos desvia seu olhar da ortodoxia mediante falsos pressupostos, pode-se entre erros similares enumerar uma lista de críticos, revisionistas e similares. Entretanto, em que pese o nome destes autores, o mero pressuposto da construção de uma teologia neotestamentária torna suas particulares desconsiderações da mensagem evangélica seu maior erro. Neste intuito para este artigo breve, contive-me a analisar o pressuposto revisionista da “desmitificação”, nos termos do próprio Bultmann apenas de um ponto: o elemento humano das Escrituras. A simples menção da inspiração divina sobre os Evangelhos, especialmente como professada nossa fé na suggestio litteralis (inspiração literal) das Escrituras, já desclassifica o método crítico em toda sua gama.

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