terça-feira, 21 de agosto de 2018

Diferenças entre Batistas e Luteranos - Espiritualidade


Antes de mais nada, esta não é uma provocação, mas algo que conheci de perto. 

Tendo crescido em um lar batista fundamentalista, devo dizer que sou profundamente grato a Deus por ter pais cristãos, que se importaram em me ensinar a sã doutrina em casa e me ensinarem sobre a importância da igreja e de Cristo na vida quotidiana. Foi como batista que tive a minha formação como pessoa e como batista que fui estudar teologia, uma graduação, dois mestrados e muitas experiências que jamais poderia deixar de lado. 

Entretanto, foi exatamente depois disto, dos estudos, dos mestrados onde as coisas começaram a decantar. Há uma fase complicada na vida de todo seminarista: muitas leituras, muitos conceitos, muita matéria e saímos de lá com a cabeça repleta de técnica, muita ortodoxia, pouca ortopraxia (a prática no viver diário de tudo o que se aprende). Esta era a fase de aprender a colocar tudo o que foi visto em termos de ações práticas. 

Como todo bom teólogo de tradição reformada, somos ensinados a avaliar tudo, todas as práticas e pensamentos dentro de nossas igrejas. Não as aceitar apenas pela conveniência, mas questionar tudo o que não fosse absolutamente bíblico. Foi então aí, e hoje entendo, por mão divina, que não me inspirei em seguir um outro mestrado ou pleitear um doutorado, mas apenas me recolher a meditar sobre tudo. 

Não houve um ponto particularmente especial que me trouxe até o luteranismo, mas por agora me detenho sobre este: A Espiritualidade. 

Por este termo entendemos todo o nosso viver perante todas as ações da vida e como isto se reflete em nosso relacionamento com o corpo de Cristo. 

O problema, na verdade, caminha em datas: em 1647, promulga-se os catecismos de Westminster, que em parte, contribuiriam para a formação das primeiras confissões de fé batistas. No catecismo maior de Westminster lê-se: 

1. Qual é o fim supremo e principal do homem? 

Resposta. O fim supremo e principal do homem e glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. 


Não é uma má resposta, mas disto surgiu uma discussão relevante: Como o homem então pode glorificar a Deus? Esta era uma discussão relevante, pois dela dependia o entendimento da primeira questão do catecismo. Esta questão, em termos práticos foi resolvida de uma forma que mais tarde, em 1689 os batistas colocariam em seu texto sob o ponto 6:

Reconhecemos que há algumas circunstâncias, concernentes à adoração a Deus e ao governo da igreja, que são peculiares às sociedades e costumes humanos, e que devem ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as normas gerais da Palavra que sempre devem ser observadas. 

Eis aí o começo da problemática. O texto parece muito bom, faz até sentido se comparado ao ensino de 1 Cor. 11; entretanto, neste ponto encontra-se o problema. Para que o homem cumpra seu fim de glorificar a Deus, além dos ditames Bíblicos para agravar as consciências e nos deixar o que deve e o que não deve ser feito, também se admite como regra para o fim de que o homem possa glorificar, as listas de regras sobre a prudência. 

Evidente que prudência e moralidade são coisas desejáveis ao cristão, e quanto a isto não cabe questionar, mas o ponto onde esbarramos é que toda vez então que os comportamentos sociais fujam a estas listas de comportamentos prudentes e morais, o homem não é apenas descuidado ou de pouca reflexão, mas um perigo para si mesmo e para a igreja por não glorificar a Deus com seus atos, mesmo sobre coisas nas quais não há menção Bíblica. 

A espiritualidade passa a ser sinônimo de um viver prudente segundo os ditames sociais da igreja. Por prudência, neste caso, voltamos à regra: o cristão deve seguir regras específicas, não apenas o que está nas Escrituras, mas o que socialmente a igreja considerar como adequado. 

Desta forma, decide a igreja, por exemplo que o consumo de álcool em qualquer circunstância é pecado, mesmo que não haja nada sobre este ponto nas Escrituras a não ser prevenindo o abuso da substância. Entretanto, o chocolate, igualmente nocivo à saúde permanece liberado irrestritamente. Não se trata aqui de querer ou não consumir bebida alcóolica, mas de onde vem a autoridade para a comunidade dizer o que é a vontade de Deus se ela não está escrita. De forma semelhante, o Credo Apostólico, usado por toda a cristandade como uma declaração de fé é rejeitado, não pelas suas afirmações, mas pela “prudência cristã” em não se assemelhar aos que praticam orações repetitivas. A igreja assim decidira que não convém, isto vale como regra, quem a viola, peca! 

O que fazer então com este pecador? Dele espera-se a autodisciplina, mas se não houver, a comunidade espera que o seu pastor o faça! Note-se que aqui não estamos falando apenas do viver espiritual, mas do viver quotidiano sobre questões pessoais, como o gosto por esportes (há os que condenem esportes de contato como brechas para o diabo), vida em família, educação dos filhos, etc... 

Artes marciais, em algumas igrejas, é pecado (e sim, sempre fui muito condenado por isto, Deus abomina violência, logo eu pecava e ainda levava outros a pecarem), recitar o Credo como um resumo de sua fé em Deus, é pecado, não educar os filhos numa escola confessional, pecado! Um cristão que toque músicas não-cristãs, peca! (embora nada seja dito do professor que ensina não cristãos sem entrar no mérito da religião com seus respectivos alunos). Note-se que sobre estas coisas, não há nenhuma disposição bíblica. Estes regulamentos são da comunidade dos membros, qualquer novo membro, é convidado a aceitar as regras da casa. 

Este problema sobre as listas da prudência cristã (que por si só já se contrapõem à liberdade cristã à qual fomos chamados, e este princípio, sim, é bíblico) desemboca em outro problema:
O que fazer com o membro que peca? 

Como dito, espera-se a moralidade segundo os padrões das escrituras somados aos padrões comunitários, se o membro não o fizer, espera-se do pastor que tome uma atitude. Com isto, atribuímos aos pastores não apenas a responsabilidade sobre o crescimento espiritual segundo as Escrituras, mas transformamos qualquer questão social em algo espiritual. 

Surge então outra figura: o aconselhamento pastoral. Este é muito presente na vida de qualquer cristão nesta linha! A função do aconselhamento é ajudar o processo de crescimento espiritual, fazer sugestões positivas, colocar “disciplinas espirituais” de oração, jejuns, meditações diárias, cobrar frequência nos cultos, etc. 

Quanto a isto, então esbarramos em duas questões: em primeiro lugar, as comunidades locais passam a definir comportamentos tidos como aceitáveis ou não, muitas vezes até contraditórios de local para local, tendo com isto o mesmo peso de uma condenação divina expressa nas escrituras. Este ponto é difícil de digerir, até porque, creio na doutrina que chamamos SOLA SCRIPTURA, onde afirmamos tudo aquilo que está revelado nas Escrituras como verdadeiro, e, sobre o que não está escrito, também devemos nos calar. Não podemos criar pecados! 

Em segundo lugar, a função do pastor não é de ser um conselheiro para a vida pessoal, embora isto não seja um problema se ele for amigo, mas esta não a vocação ministerial das Escrituras. Não existem ministros chamados por Deus ao santo ministério para ditar qual profissão você pode aceitar! Aconselhamento é bom, mas a função do pastor está em Mateus 18: "Digo-lhes a verdade: Tudo o que vocês ligarem na terra terá sido ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra terá sido desligado no céu. Mateus 18.18
Sendo Bíblico na questão, o verso de destina aos apóstolos, e aos que exercem o ministério na igreja de Cristo: ligar e desligar, o ofício das chaves. 

No meio batista então temos o caso de um irmão em problemas, uma visita é agendada, seja na casa ou no gabinete pastoral o problema é exposto, o sujeito sai dali com bons conselhos para a vida pratica, uma lista de deveres: orar, jejuar, mais sessões de aconselhamento, enfim, estas possibilidades são várias. Se o problema for de uma seriedade maior, uma regra de disciplina é dada, uma punição que deverá durar até que a liderança ache que já foi tempo o suficiente. 

No meio luterano então, o irmão em problemas fala com o pastor no horário combinado, o problema é exposto, o pastor então anunciará algumas coisas: primeiro, a Lei. Ela é anunciada para que o homem tenha noção do seu pecado, arrependido, o segundo anúncio é feito: o Evangelho: Deus compreende a limitação humana e está disposto a perdoar, e terceiro: a Absolvição. Sim, por Cristo, com Cristo e em Cristo, o ministro cumpre seu dever bíblico de Mateus 18, Não há listas de prudência cristã a serem passadas, não há disciplinas de ficar um tempo afastado como punição, a preocupação maior é com a alma deste necessitado, e ele sai desta conversa ciente de estar perdoado por Deus. Os conselhos depois disso, são absolutamente secundários. 

Em um caso, temos um pecador arrependido que sai com conselhos para melhorar sua vida com Deus, no outro, temos um pecador arrependido que sai perdoado. Nisto temos outro ponto que nos apegamos: SOLA GRATIA! Somente pela graça de Deus é que somos salvos! Quando o perdão bíblico é anunciado, o pecador então recebe de modo bíblico a sua graça! 
Quando as regras sobre o que fazer são passadas, estas regras não terão o poder de apagar o pecado, mas com elas, espera-se que a pessoa se aproxime de Deus novamente, para que então, ela receba o perdão. 

Então já não é pela graça, mas pelas obras! Se eu preciso cumprir as regras extra bíblicas dadas no aconselhamento para que eu tenha o perdão dos pecados, então, estaria crendo que as obras são capazes de justificar um pecador, quando o pensamento bíblico é sempre: Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Efésios 2.8,9 

Sobre o ponto da espiritualidade diária, então o que é bíblico? A comunidade pode estabelecer os pecados, ou apenas Deus em sua palavra? É mais bíblico que prevaleça a liberdade cristã e o pastor se ocupe de cuidar de minha alma, ou, que para não escandalizar os demais, o pastor seja uma autoridade até para minhas decisões pessoais de como viver e trabalhar?
Aconselhamento apenas, ou ter os pecados perdoados? O que é Bíblico afinal?

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