sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Diferenças entre Batistas e Luteranos – parte 2- A fé


Sobre a natureza da fé, batistas e luteranos compartilham da mesma visão, profundamente bíblica, por sinal de qual seja a sua natureza. Fé é uma certeza que aponta para o futuro e para a realidade das coisas que fogem aos nossos sentidos, como Hebreus 11 afirma. 
De igual modo, compartilhamos o mesmo pensar bíblico de que a esta certeza não deve vir apenas da razão humana, mas uma certeza sobrenatural, operada por Deus, ainda que, em momentos de fraqueza, esta certeza possa ser turbada, mas, assim como as águas, passada a agitação, torna-se cristalina novamente. 

O objeto de nossa fé também não é algo em que haja controvérsias: confiamos nas promessas de Deus que chegam a nós por sua palavra revelada. 
Basicamente, cremos no mesmo Deus triuno, e depositamos nossa confiança na mesma palavra da promessa. 
Entretanto, os desdobramentos sobre o que seja a fé em sua essência têm suas diferenças. 
Há essencialmente duas linhas na igreja batista, a fundamentalista e a reformada, cada uma com suas especificidades (há também a linha renovada, que foi uma reformulação em aspectos de culto da linha fundamentalista). 

Na linha fundamentalista, a exemplo das igrejas filiadas à Convenção Batista Brasileira, a definição de fé deriva de uma evolução histórica de conceitos que é condensada na própria declaração doutrinária desta convenção e adotada por suas igrejas, a qual podemos ler no ponto V, parágrafo 2, inciso 1: 

“(...) A fé é a confiança e aceitação de Jesus Cristo como Salvador e a total entrega da personalidade a ele por parte do pecador.” 

A declaração doutrinária, nesta linha pelo menos, não se dedicou extensivamente em pontuar a forma como esta fé deve se demonstrar de modo prático sob o mesmo ponto: a salvação, mas tece seus posicionamentos a respeito de questões seculares sob o termo “mordomia Cristã”. 

Aceitar estas posturas de mordomia equivale à citada passagem sobre a “total entrega da personalidade”, ou seja, ser bom mordomo das coisas do Senhor (tudo o que envolve os atos da vida) é um elemento que constitui a fé. Em outras palavras, fé é uma somatória de mente e mãos. 

Este pensamento, na verdade, não é algo criado sem propósito no seio denominacional, afinal, a linha reformada, muito mais antiga já compartilhava deste posicionamento. Na declaração de 1689, sobre as boas obras pode-se ler: 

“As boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são os frutos e a evidência de uma fé verdadeira e viva. Por meio delas os crentes demonstram a sua gratidão, fortalecem sua certeza de salvação (...)” 

Novamente encontramos aqui a referência de que a fé envolve uma parte sobrenatural: o crer, e uma parte natural: o agir, de modo que sempre se associa a fé e as obras num único conceito. 

O conceito doutrinário de um modo bem abrangente entre todos os batistas, portanto, não nos permite separarmos a crença em Deus do que fazemos. 

Então temos a seguinte situação: alguém passa por uma crise de fé. Começa a questionar sua própria salvação. O que fazer? Sendo bem instruída então, esta pessoa irá refletir sobre o seguinte ponto: Eu tenho fé? Em outras palavras: Eu creio de verdade em tudo o que a Bíblia diz? Bom, se a pessoa está em crise, esta resposta será um tanto incerta, as dúvidas aparecerão de imediato, então passa-se ao segundo ponto: Como eu posso saber se tenho fé? Então nos voltamos para o elemento natural da fé: o agir. Pelas obras posso mostrar a minha fé. Isto parece estar de acordo com Tiago 2:18, então, parece um caminho seguro. O que tenho feito da minha vida? Agora um cristão sincero deve realmente entrar em crise! Se tenho feito coisas boas, isto não é sinal de fé, pois até os ímpios são capazes de fazer coisas boas (Mt 7:9), se tenho feito coisas ruins, então minha fé não pode se manifestar nestas obras. 

Que angústia é essa! Tenho dúvidas sobre a minha salvação, então olho para as obras, que, confessionalmente são parte do quesito “fé”, e vejo que faço coisas más, e mesmo as coisas boas que faço não são suficientes para me diferenciar de um não-cristão! Caridade todo mundo pode fazer! Obedecer às leis, eu não preciso ser cristão para isso! Trabalhar na igreja, uma pessoa de qualquer religião não cristã também o faz com alegria em seus respectivos locais de culto, então não há nada, absolutamente nada que me garanta que tenho fé salvadora. 

Ah! Mas eu creio em Jesus, isto deve bastar! Na verdade, não! Até os demônios que Jesus expulsava criam nele (Mc 1:34). 

Então como posso saber se tenho fé salvadora? A verdade é que não há esta certeza salvo pelo testemunho interno do Espírito Santo. A fé salvadora não é uma fé reflexa, fruto apenas de uma atividade intelectual, portanto, a única resposta que podemos dar para uma pessoa vivendo a crise de sua fé é: Busque ler mais a Bíblia, intensifique suas orações que Deus vai trabalhar esta certeza em você. 

Por outro lado, a certeza e a boa consciência em Deus ocupam uma posição de extrema importância na espiritualidade luterana. A crise existencial e a certeza da fé são endereçadas com muita seriedade como centrais à vida de um cristão. 

Admitimos que o cristão pode às vezes, como fruto da limitação de nossa natureza, não estarmos cientes de nossa fé. O cristão não ser capaz de afirmá-la, ou de meditar sobre ela, de modo algum implica em sua ausência. Apreendemos a graça de Deus sobre nós mediante a fé, mesmo que não a possamos sentir. Mesmo diante da mais vil tentação, onde a auto-reprovação é forte, ali está a fé. Por ser dom sobrenatural de Deus, o coração humano não precisa sentir algo especial para saber que tem fé. Biblicamente falando, nossa salvação não é observada nas circunstâncias, mas na pessoa de Cristo e recebida pelo Evangelho, que é poder de Deus para salvação de todo aquele que crê. Quem duvida é o coração limitado e enganador que temos, a fé, por outro lado não depende de sinais, ou evidências. Desta forma, as crianças possuem fé verdadeira se estiverem em Cristo (Mt 18:6). Não podemos confundir a capacidade humana de organizar o pensamento e a fala com o dom de Deus pai, Fruto do Espírito e obra de Cristo, que é a nossa fé. 

Tomemos por exemplo uma pessoa com deficiência mental grave. Ela pode nunca ser capaz de expressar uma frase dizendo que crê em Jesus, ou de levantar sua mão, entendendo o que se passa, para receber uma oração do pastor, mas pode ter fé e ser salva! De igual modo uma pessoa em coma pode nunca ter tido a oportunidade de manifestar alguma evidência, e ainda assim, guardar sua fé! 

Portanto, no mesmo caso prático: o cristão passa por uma crise em sua fé, sendo bem instruído biblicamente ele saberá de imediato que a dúvida é um problema espiritual grave, afinal, incredulidade é algo muito sério (Jo 8.46; Mt 14.31), então, biblicamente se busca a solução para a falta de fé: a proclamação do Evangelho (Rm 5.20; 8.15-17)! Sim, falta de fé não se deve resolver olhando para as próprias obras, pois como vimos, embora necessárias na vida do cristão, elas não são suficientes para sairmos do dilema, não somos salvos por elas, mas pela Graça divina e pela Graça somente! Esta Graça está no Evangelho, então, toda crise de fé é resolvida, não buscando em nós mesmos algo de divino, mas buscando na Palavra, pelo Evangelho, e assim, dissipando as dúvidas. 

Serve ainda de consolo para quem tem dúvida, que a própria busca de se assegurar estar salvo em Cristo já demonstra a fé ativa na vida desta pessoa. Por isto que em nossos documentos confessionais podemos ler na Declaração Sólida II, 14:

“Esta preciosa passagem / Fp 2.13 / é de muito conforto para todos os cristãos piedosos que sentem e experimentam em seus corações uma centelhazinha e desejo da graça divina e de salvação eterna, por saberem que Deus acendeu em seus corações este princípio de verdadeira santidade e quer continuar fortalecendo-os em sua grande fraqueza e ajudando-os a perseverar na fé verdadeira até o fim.” 

Confessamos juntos, sim, que nossa fé é assegurada no testemunho interno do Espírito, mas não entendemos este testemunho como o “sentir” Deus. Somos compelidos pela Palavra a entendermos que o testemunho interno do Espírito Santo não é outra coisa senão a própria fé (1 Jo 5:10). Deus não vai soprar em nossos ouvidos “olha! Você tem fé!” Não! o Espírito Santo que habita em nós testifica de Cristo, isto já é a fé! 

Então, onde entram as obras nesta história? 

Para sermos estritamente bíblicos, não podemos nos fiar nas obras de nossas próprias mãos para dizermos se temos fé. Já vimos que nossa fé não é obra humana, nem se pode mostrar por ela. 

Então, como devemos entender Tiago 2:18 que diz: 
“Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.” 

Para isto cabe a pergunta: que obras? 
A confissão de fé batista de 1689 traz uma resposta no capítulo 16, ponto 6: 

“Se nossas obras são boas é porque procedem do Espírito. Contudo, à medida em que são desempenhadas por nós, essas obras vão sendo contaminadas, e mescladas a tanta fraqueza e imperfeição, que não podem suportar a severidade do julgamento divino. 
Todavia, desde que os crentes, como pessoas, são aceitos por meio de Cristo, as suas obras também são aceitas em Cristo, mas isto não significa que nesta vida tais obras sejam totalmente irreprováveis e irrepreensíveis aos olhos de Deus. Antes, significa que, vendo-as em seu Filho, Deus se agrada em aceitar e recompensar aquilo que é sincero, apesar de realizado com muitas fraquezas e imperfeições.” 

Logo, estamos aqui falando de todo o tipo de obra que possamos realizar, elas serão sempre imperfeitas, mas, para os que são de Deus, ele aceita, não as obras em si, mas a intenção na qual são feitas. Uma caridade feita por cristão é uma boa obra porque é feita na sinceridade do coração para Cristo, mesmo que no fundo haja alguma vaidade que suje o serviço. Em outras palavras, Deus é como aquele pai que recebe um presente de seu filho que ele mesmo fez nas aulas de educação artística. Cheio de falhas, pintura fora das bordas, mistura de cores sem muito critério, mas o pai recebe com orgulho porque seu filho fez o seu melhor para ele. 

Somos então confrontados com o que seria o testemunho externo dos Espírito Santo, como o amor a Deus e à sua palavra (Jo 8.47; 1Ts 1.3-6; 2Ts 2.13-15), o amor ao próximo (1Jo 3.14), o fruto do Espírito (Gl 5.22-24). Sabemos que o próprio amor é algo que flui de Deus em nós. Sabemos que o resumo de todos os mandamentos é este: o amor. 

Portanto, biblicamente, sem confundir lei e evangelho, não podemos confundir nossas obras deficientes com as boas obras preparadas por Deus para que andemos nelas. Acima de tudo, não podemos sustentar pelas Escrituras que nossas obras sejam um presente a Deus, mas antes um presente de Deus. 

Somente Deus é Deus e capaz de nos salvar, redimidos por Cristo, sejamos gratos a Deus por nos dar a sua justiça, a qual nós respondemos voluntária e conscientemente mortificando as obras da carne. Livremente, e somente assim abraçamos a verdadeira piedade cristã, a verdadeira boa obra. 

Ainda sobre esta natureza da fé como o testemunho interno do Espírito Santo, então esbarramos em um artigo que compõe a introdução da declaração de fé batista: 

“(...) somente essas pessoas eram por eles batizadas e não reconheciam como válido o batismo administrado na infância por qualquer grupo cristão, pois, para eles, crianças recém-nascidas não podiam ter consciência de pecado, regeneração, fé e salvação.” 

Diante de todo o exposto temos aqui um ponto que devemos discordar “crianças recém-nascidas não podiam ter consciência de pecado, regeneração, fé e salvação”. Evidente que não discordamos que crianças recém-nascidas não tem de fato a capacidade de autoexame. Mas nossa fé não é fruto de um exame de consciência! Em primeiro lugar, as crianças creem: Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos firmaste o teu nome como fortaleza Salmos 8:2a, O próprio João Batista recebeu o testemunho do Espírito Santo (portanto a fé) ainda no ventre de sua mãe: e será cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento. Lucas 1:15. 

Sejamos estritamente apegados ao texto bíblico: quem convence do pecado, da justiça e do juízo, quem testifica a fé salvadora, não são as minhas obras, não é a minha capacidade humana de avaliar minha condição, nem minha auto-consciência. O Espírito Santo testifica tanto no adulto quanto na criança a fé para a vida eterna, quer o cristão esteja consciente ou não de sua vida espiritual. 

Quando temos a fé como o crer e o agir desviamos os olhos da Palavra para nossas próprias mãos no momento de dúvida. Quando entendemos, porém, que o agir decorre da fé, sabemos que as obras que fazemos são boas, não porque sentimos que são agradáveis, mas porque a Palavra afirma que são boas! 
Tiremos nossas ações do centro das nossas preocupações, coloquemos o Evangelho, que as obras que realmente importam fluirão. 
Não busquemos fazer nossas obras com a ajuda de Deus, mas fazer as obras de Deus com Deus e em Deus para a maior glória de Deus! 

Não olho circunstâncias! 
Mas olho seu amor! 
Não me guio por vista! 
Alegre sou!

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