quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Blasfêmia contra o Espírito Santo


Trigésima oitava preleção

(23,10,1885)

Muitos ministros, e não os piores, imaginam que realizaram muito ou até acham que alcançaram seu objetivo quando conseguiram despertar seus ouvintes de sua segurança carnal e os levaram a desesperar e ficar em dúvida quanto ao seu estado de graça e sua salvação. E de fato, é necessário que toda pessoa, para ser salva, precisa ser arrancada de sua falsa segurança, de seu falso conforto, da falsa Paz e de suas falsas esperanças. Ela precisa ser levada ao desespero pela salvação e por causa de sua condição presente. Mas isso é meramente um estágio preparatório pelo qual precisa passar; não é o assunto de maior importância nem o principal objetivo a ser alcançado. O principal é que obtenha completa segurança e certeza de seu estado de graça e salvação, para que possa exultar por seus pecados terem sido perdoados. Não pode haver dúvida de que este deve ser o principal objetivo de um ministro evangélico. Pois, o ministro precisa pregar o Evangelho aqueles que lhe foram confiados. Ele deve leva-los a fé em Cristo, batiza-los e administrar-lhes a absolvição e a Santa Ceia. No entanto, pregar o Evangelho nada mais significa do que proclamar as pessoas que elas foram completamente reconciliadas com Deus através de Cristo. Viver a fé genuína nada mais significa do que a divina certeza de que se tem o perdão dos pecados e de que os portais dos céus estão abertos. Batizar uma pessoa significa tira-la do mundo dos pecadores perdidos, por ordem, em nome e em lugar de Deus, e dar-lhe a solene certeza de que Deus é gracioso para com ela, de que Deus é seu Pai, e que ela, a pessoa batizada, é filho de Deus. Significa que o Filho de Deus é seu Salvador, que a pessoa batizada é seu filho e já está salva; que o Espirito Santo é seu Consolador e ele é a habitação do Espirito Santo. Administrar a absolvição a uma pessoa significa dizer-lhe, por ordem, em nome e lugar de Cristo: “Teus pecados estão perdoados. ” Administrar-lhe a Santa Ceia significa dizer-lhe em nome de Jesus: “Você também deve participar da grande conquista da redenção. Para confirmar seus direitos nesta redenção, este precioso sinal ou penhor é dado a você, a saber, o corpo e o sangue de Cristo, o resgate com o qual ele comprou o mundo inteiro. Um exame das Escrituras revela o fato de que o objetivo de todos os ministros fieis tem sido treinar seus ouvintes de maneira tal que pudessem declarar-se filhos de Deus e herdeiros da salvação. Quando Cristo disse aos seus discípulos: Alegrai-vos [...] porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc 10.20), ele evidentemente os conclamou a rejubilar na certeza de sua salvação. Paulo escreve aos Coríntios: Vos vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espirito do nosso Deus. (1 Cor 6.11) Pedro escreve aos cristãos que viviam dispersos: Porque estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma. (1 Pe 2.25) João diz aos seus filhos espirituais, incluindo a si mesmo na afirmação: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Mas sabemos que, quando ele aparecer, haveremos de ser semelhantes a ele; porque haveremos de vê-lo assim como ele é. (1 Jo 3.2) Em nenhum lugar nas Sagradas Escrituras encontramos os apóstolos tratando os membros de suas congregações como se estivessem inseguros quanto a sua situação em relação a Deus. O tratamento deles sempre a tal, que se pode ver que eles pressupõem que seus membros, apesar de suas fraquezas e falhas, são amados e queridos filhos de Deus.
As condições são diferentes em nossos dias. Em regra, até mesmo os melhores ministros ficam satisfeitos se tiverem treinado seu povo a vir a eles ocasionalmente para reclamar de que não tem certeza de sua salvação, de que estão com medo que se perderiam se morressem na próxima noite. Uma queixa como essa aflige um ministro verdadeiramente evangélico, cujo objetivo e conseguir fazer com que seus ouvintes professem: “Eu sei que o meu Redentor vive. Eu sei em quem eu tenho crido. ” Mas ministros que não são verdadeiramente evangélicos aceitam essa queixa como evidência de que fizeram bons cristãos de seus ouvintes. Qual é o motivo por que tantos em nossos dias vivem na incerteza se são ou não cristãos verdadeiros? O motivo e que os ministros, em regra, confundem Lei e Evangelho e não prestam atenção a admoestação apostólica: Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. (2 Tm 2.15) porque, quando o Evangelho é pregado com uma mistura de Lei, é impossível o ouvinte se prender a fé no perdão de seus pecados. Por outro lado, quando a Lei é pregada com uma mistura de Evangelho, e impossível que o ouvinte reconheça que é um pobre pecador necessitado do perdão dos pecados.

Em vigésimo lugar, a Palavra de Deus não é aplicada corretamente quando o imperdoável pecado contra o Espirito Santo é descrito como sendo imperdoável devido a sua grandeza.
A descrição atual do pecado imperdoável é uma horrível confusão entre Lei e Evangelho. Apenas a Lei condena o pecado; o Evangelho absolve o pecador de todos os pecados indistintamente. O profeta escreve: Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã. (Isaías 1.18) 0 apostolo Paulo escreve (Rm 5.20): Onde abundou o pecado, superabundou a graça. Por isso, também Lutero canta: ’’ E se os pecados muitos são, / em Deus mais graça temos não tem limites seu perdão, / sempre o receberemos. ” O que diz a Escritura Sagrada a respeito do pecado contra o Espirito Santo? A respeito desse pecado, temos três passagens paralelas nos evangelhos sinópticos, uma passagem na Epístola aos Hebreus e uma em 1 Jo. Essas passagens são o centro da doutrina sobre o pecado contra o Espirito Santo. Mt 12.30-32: Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha. Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, mas a blasfêmia contra o Espirito não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado, mas, se alguém falar contra o Espirito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir. Essa é a passagem principal. Ela constata, em primeiro lugar, que toda blasfêmia contra o Pai e o Filho será perdoada; apenas a blasfêmia contra o Espirito Santo não será perdoada. Agora, uma coisa é certa: O Espirito Santo não é uma pessoa mais gloriosa ou mais exaltada do que o Pai e o Filho; ele é co-igual a eles. Logo, essa passagem não pode estar indicando que o pecado imperdoável é blasfêmia contra a pessoa do Espirito Santo; porque então em nada seria diferente da blasfêmia contra o Pai e o Filho. A blasfêmia da qual o nosso texto fala é dirigida contra o oficio, ou a operação do Espirito Santo. Quem despreza a obra do Espirito Santo está perdido; esse pecado não lhe será perdoado. O oficio do Espirito Santo consiste em chamar os homens para Cristo e conserva-los junto a ele.
O texto menciona, particularmente, que a pessoa que comete esse pecado “fala contra o Espirito Santo”. Isso mostra que o pecado em questão não é cometido quando se tem pensamentos blasfemos no coração. Não raras vezes, cristãos imaginam que incorreram nesse pecado, quando são sobressaltados por pensamentos horríveis dos quais não conseguem se livrar. Nosso Senhor Jesus Cristo previu isso. E por essa razão, ele nos informou que a blasfêmia contra o Espirito Santo, que não será perdoada, tem que ser proferida ou expressa verbalmente. O diabo atira suas flechas ardentes nos corações dos cristãos fieis, fazendo com que revolvam os pensamentos mais horríveis em seus corações contra seu Pai Celeste e contra o Espirito Santo, no entanto, contra sua vontade. Cristãos sinceros queixaram-se de que, enquanto iam a Santa Ceia, foram molestados com os pensamentos mais horríveis contra o Espirito Santo. Tais pensamentos são coisas do diabo. Quando estou sentado numa sala muito linda com as janelas abertas, e um menino malvado atira sujeira para dentro dessa sala, eu não sou responsável por isso. Em sua sabia providencia, Deus permite que seus filhos amados sejam aborrecidos dia e noite com tais pensamentos. Os melhores pregadores encontraram casos desse tipo entre os membros de suas congregações. Mas esse não é o pecado contra o Espirito Santo, que consiste em blasfêmia pronunciada verbalmente. Tive de tratar espiritualmente de uma menina que até pronunciou pensamentos desse tipo, mas ao mesmo tempo caiu no chão, chorando e suplicando que Deus a libertasse de sua aflição. Ela não conseguiu descansar até se dar conta de que não era ela que estava expressando aqueles pensamentos. Satanás havia tomado conta de seus lábios. E claro, os modernistas, que negam tal poder do diabo, chamam esta explicação de noção supersticiosa. Mc 3.28-30: Em verdade vos digo que tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e as blasfêmias que proferiram. Mas aquele que blasfemar contra o Espirito Santo não tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno. Isto, porque diziam: Estas possesso de um espírito imundo. Aqui está relatada uma blasfêmia contra o Espirito Santo, que, de fato, se concretizou. Quando Cristo expeliu demônios, os fariseus declararam que essa ação do Espirito Santo era uma obra do diabo. Eles estavam convencidos de que se tratava efetivamente de uma obra divina, mas, já que o Senhor censurara sua hipocrisia, foram tomados de ódio mortal contra Cristo, e isto fez que blasfemassem contra o Espirito Santo. Assim, aqui nos é oferecida a seguinte explicação: Afirmar que uma obra do Espirito Santo é obra do diabo, quando se está convencido de que se trata de uma obra de Deus, é blasfêmia contra o Espirito Santo. Não ha cristão que, ocasionalmente, não resista a ação da graça divina e, então, tente persuadir-se de que estava afugentando pensamentos obscuros. Essa doutrina nos adverte de que, se quisermos ser salvos, devemos, de imediato, render-nos a ação do Espirito Santo e não resistir, tão logo a percebamos. Porque a pessoa que resiste, no estágio seguinte dirá: "Isso não procede do Espirito Santo." E o próximo estágio será este: Ele passara a odiar o caminho pelo qual Deus quer conduzi-lo a salvação e, finalmente, blasfemar. Portanto, estejamos em guarda. Vamos abrir a porta ao Espirito Santo quando quer que ele bata e não aceitar o ponto de vista das pessoas do mundo, que consideram essas sensações como sintomas de melancolia. A menos que o Espirito Santo nos leve a fé, nunca chegaremos a ela. Todo aquele que rejeita o Espirito Santo, exclui toda e qualquer possibilidade de ajuda, até mesmo da parte de Deus. Deus deseja que a ordem que ele estabeleceu para a nossa salvação seja conservada. Ele não leva ninguém ao céu a força. Nosso texto refere-se ocasião em que Cristo curou o homem da mão ressequida e expulsou um demônio. Todos tiveram oportunidade de ver que o poder de Deus estava invadindo o reino de Satanás. Mas aqueles infames que assistiram a isso, disseram: "Ah! Jesus esta possesso de Belzebu; é por isto que pode expelir os demônios de categoria inferior." A própria ação que haviam testemunhado, as obras e palavras de Cristo deixavam claro que ele investia contra o diabo e estava destruindo o reino deste. Estava totalmente fora de cogitação imaginar-se que o diabo estaria ajudando Cristo nesta obra.
Lc 12.10: Todo aquele que proferir uma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas, para o que blasfemar contra o Espirito Santo, não haverá perdão. Novamente nos vemos que é essencial que para pecar contra o Espirito Santo, aquela blasfêmia seja verbalizada, e isso consciente e propositalmente. Temos uma afirmação muito importante a respeito deste pecado em Hb 6.4-8: É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espirito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, e impossível outra vez renova-los para arrependimento, visto que, de novo, está crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o a ignorninia. Porque a terra que absorve a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada, recebe benção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto esta da maldição; e o seu fim é ser queimada. O que é característico nesse pecado contra o Espirito Santo e que a pessoa que incorreu nele não pode ser reconduzida ao arrependimento. Isso é simplesmente impossível. Não que Deus coloque o ser humano nesse estado; é o pecador, por sua própria culpa, que ingressa nesse estado de impenitência irrecuperável. Quando essa situação atingiu um determinado grau de intensidade, Deus cessa de agir nessa pessoa. A maldição cai sobre ela, e elimina-se qualquer outra possibilidade de sua salvação. Por que? Porque ela não pode ser levada ao arrependimento. O solo de seu coração foi arruinado e não é mais fertilizado pelo sereno e pela chuva da graça divina. 1 Jo 5.16: Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Ha pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Essa palavra nos traz uma importante informação que, infelizmente, não podemos colocar em pratica. Porque, antes da morte de alguém, não saberemos dizer se ele cometeu pecado contra o Espirito Santo ou não. Mesmo que sua boca profira blasfêmias, não sabemos se o fenômeno não pode ser explicado através de uma possível ação do diabo, ou se ele não age acometido de terrível cegueira espiritual, nem se ele não pode ser levado outra vez ao arrependimento. Nos dias dos apóstolos, os cristãos tinham o dom de discernir os espíritos. Eis o que S. Joao quer dizer nesta passagem: "Tão logo vocês percebam que este ou aquele individuo incorreu nesse pecado, que Deus deixou de ser gracioso para com ele, vocês não devem desejar que Deus volte a ser gracioso para com ele e devem deixar de orar por ele."
Também não podemos dizer a Deus: "Salva aqueles que cometeram o pecado contra o Espirito Santo." Isso tudo pode parecer muito chocante; todavia, encerra um grande consolo. É possível que alguém lhe diga: "Eu sou um homem miserável! Cometi o pecado contra o Espirito Santo. Estou absolutamente certo disso!" É possível que essa pessoa aflita lhe apresente o mal que fez, disse e pensou. Pode ser que as evidencias indiquem que, de fato, ele blasfemou contra o Espirito Santo. Nesse momento, você deve lembrar a arma que Hb 6 apresenta para um caso desses: Este individuo de maneira alguma se alegra com o que está relatando. Isso tudo é simplesmente terrível para ele. Através disso, você pode perceber que Deus, de qualquer forma, começou a operar o arrependimento nele. Tudo o que ele precisa fazer é apegar-se a promessa do Evangelho. Caso você pergunte se ele cometeu todos esses males, intencionalmente, é possível que ele responda de modo
afirmativo, mesmo sem querer. Às vezes, isso acontece. Entretanto, é Satanás quem fala através dele. E se você perguntar se ele preferiria não ter praticado todas essas coisas, ele responderá: "Sim, de fato; tudo isto me traz a mais terrível preocupação." Esse é um sinal evidente de que Deus começou a operar o arrependimento nesse indivíduo. Um caso assim não deve ser tratado levianamente; deve-se mostrar ao que sofre que, no caso de haver nele um princípio de arrependimento, esta é uma prova incontestável de que ele não cometeu o pecado contra o Espirito Santo. De modo geral, ao pregar sobre esse assunto, o pregador deve empenhar-se mais em convencer seus ouvintes de que não cometeram esse pecado do que em alertá-los a que não incorram nele. Para aquele que realmente cometeu esse pecado, de nada adianta a pregação. A todo aquele que lamenta seus pecados e anseia por perdão, deve ser dito que ele é um filho querido de Deus que, todavia, está passando por uma terrível tribulação.
Em At 7.51, nós lemos que Estevão disse aos seus ouvintes: Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vos sempre resistis ao Espirito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vos o fazeis. Aquelas pessoas haviam cometido o pecado contra o Espirito Santo? Não; porque Estevão morreu orando por eles: "Senhor, não lhes imputes este pecado." (v. 60) Isso mostra que, apesar de os judeus terem cometido pecados propositais, eles não haviam cometido o pecado contra o Espirito Santo. De outro modo, o mártir não teria orado por eles. Ele estava pensando, ao orar por eles, que poderia vir uma hora em que eles não resistiriam mais ao Espirito Santo. Ouçamos agora o comentário de Lutero sobre 1 Jo 5.16. Ele escreve (St. L. Ed. IX, p. 1519): "Pelo termo 'pecado para morte' eu entendo heresia que estas pessoas colocaram no lugar da verdade. Se elas não se arrependerem depois da primeira e da segunda admoestações (Tt 3.10), seu pecado e um pecado para a morte. No entanto, podemos enumerar nesta categoria um pecado como o pecado de obstinação e desprezo, como Judas, que havia recebido muitas admoestações, mas por causa de sua obstinada maldade não se podia ajuda-lo. Também Saul, que morreu em seus pecados porque não confiava no Senhor. Mas o mais alto grau de obstinação é encontrado naqueles que insistem em manter e defender seus erros conhecidos."
Esse pecado não é imperdoável por causa de sua magnitude — pois o apostolo, como nós ouvimos, havia declarado claramente: "Onde abundou o pecado, superabundou a graça," mas porque a pessoa que comete este pecado rejeita o único meio pelo qual pode ser levada ao arrependimento, a fé e a firmeza na fé. Lutero aqui se refere a pessoas cujos pecados consistem em que elas defendem obstinadamente, contra seu próprio conhecimento e consciência, um erro que reconheceram como pecado. Lutero continua: "Desse tipo também é o pecado contra o Espirito Santo, ou endurecimento na maldade, lutando contra a conhecida verdade, e impenitência final." Sem dúvida alguma, não é correto considerar impenitência até o fim como o pecado contra o Espirito Santo, conforme faz Lutero; porque neste caso a maioria das pessoas teria cometido esse pecado. No entanto, impenitência final é um aspecto desse pecado. A peculiaridade especial desse pecado é que ele se opõe ao oficio, a operação, do Espirito Santo. Voltando a Lutero: "Ha um outro tipo de pecado que não a para morte. Desse tipo foi o pecado de Paulo, ao qual ele se refere em 1 Tm 1.13, dizendo: '[...] a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.' Paulo havia cometido o terrível pecado de blasfemar e tentar forçar os cristãos a blasfemarem; mas ele estava agindo em total cegueira. Ele não tinha nem ideia de que estava lutando contra Deus. Deste pecado Cristo fala em Mt 12.32, dizendo: 'Se alguém proferir uma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado.' Do mesmo modo o pecado dos homens que crucificaram Cristo não era para morte, porque Pedro diz a eles: 'E agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância.' (At 3.17) E Paulo diz: Porque, se tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da gloria.' (1 Cor 2.8) No entanto, esse pecado é para morte quando e defendido depois de ter sido revelado e reconhecido como pecado, porque resiste graça de Deus, aos meios da graça e ao perdão dos pecados. Onde não há conhecimento do pecado, não há perdão. Pois o perdão do pecado é pregado aqueles que sentem seu pecado e estão procurando a graça de Deus. Mas estas pessoas [que cometeram o pecado contra o Espirito Santo] não estão temerosas por escrúpulos da consciência, nem reconhecem ou sentem seus pecados." Que cada um tome cuidado para não resistir ao Espirito Santo.
Quando um pecado lhe foi revelado e seu próprio coração confirma que é pecado, que a sua boca não negue este fato. Esse pode ainda não ser o pecado contra o Espirito Santo, mas pode ser um passo naquela direção. Ha muitas pessoas que admitem que todos nos pecamos de muitas maneiras, cada dia, no entanto, quando são repreendidas, alegam que nunca fizeram mal nem sequer a uma criança. Com respeito as pessoas que estão aflitas com a possibilidade de ter cometido o pecado: contra o Espirito Santo, deve-se dizer que, se elas realmente o tivessem cometido, não teriam essa aflição, nem se encontrariam nessa terrível situação; teriam, antes, prazer em blasfemar continuamente do Evangelho. Contudo, cristão aflito ainda tem fé, e o Espirito de Deus está agindo neles e, se ele está agindo neles, então não cometeram o pecado contra o Espirito Santo. Uma excelente exposição desse assunto pode ser encontrada na obra latina de Baier, in - Compendio de Teologia Positiva. Diz ele na parte II, cap. III, p. 24: "O mais grave de os pecados atuais, que é denominado pecado contra o Espirito Santo, consiste numa maliciosa e em ataques blasfemos e obstinados a verdade celestial que já era conhecida pelo indivíduo que incorre nesse pecado.

a) A maneira de denominar este pecado assim é derivada do seu objeto, que é o Espirito Santo. O termo 'Espirito Santo' neste lugar e entendido metonimicamente, - quer dizer, a operação que o Espirito Santo faz na conversão das almas humanas pelo ministério da Palavra. Este significado do termo também é encontrado em 2 Cor 3.6. O pecado contra o Espirito Santo, pois, é um pecado que a cometido contra o oficio do ministério do Espirito Santo e contra a verdade celestial que e revelada por este oficio e ministério. [Blasfemar contra o Espirito Santo significa blasfemar contra seu ministério, significa declarar as operações do Espirito Santo operações do diabo, e oferecer resistência ao seu oficio. ] Também chamado de pecado para a morte, essa denominação e derivada do efeito desse pecado, porque ele leva definitivamente morte eterna ou condenação. (1 Jo 5.16) ["Pecado para a morte" não deve ser confundido com "pecado mortal".]

b) A base dessa doutrina encontramos em Mt 12.30ss.; Mc 3.28; Lc 12.10.

c) A doutrina da verdade celestial pode ter sido aprovada com uma concordância de fé divina e por profissão publica, ou então pode ter sido percebida tão claramente que o coração do indivíduo foi convencido e não tinha argumento para se opor a ele. No primeiro caso, o pecado contra o Espirito Santo e cometido por aqueles apóstolos que renunciam e difamam a verdade que haviam, uma vez, conhecido e crido, como o autor de Hebreus descreve no capitulo 6.4ss. A segunda classe pertence os fariseus e escribas, que nunca aprovaram a doutrina de Cristo por profissão, apesar de estarem convictos de sua veracidade em seu coração pela Escritura e pelos milagres de Cristo, e nada mais tinham do que calúnias a dizer contra. [Ha teólogos luteranos que alegam que somente uma pessoa verdadeiramente regenerada pode cometer este pecado contra o Espirito Santo. Mas isso é de longe demais; porque ninguém vai acreditar que os fariseus a quem o Senhor fala desse pecado haviam sido verdadeiramente convertidos em algum tempo anterior. Eles simplesmente cresceram em sua maldade. E verdade, no entanto, que uma pessoa pode cometer este pecado até mesmo depois de sua regeneração, um fato que se deve manter em oposição aos calvinistas. É bem provável que Judas havia crido. Quase não se pode acreditar que o Salvador o tenha chamado enquanto estava sob a ira de Deus. Judas caiu em pecado mais tarde, e Satanás tomou posse não apenas de seu corpo, mas também de sua mente. ]

d) Em outras palavras, a renúncia e os assaltos sobre a doutrina celestial precisam acontecer ekousioos (Intencionalmente), Hb 10.26, de tal maneira que a causa dessa renúncia e agressão é pura e clara maldade. No entanto, aqueles que renunciam a sua fé por ignorância ou medo da morte, não são por isso pecadores contra o Espirito Santo, mas podem obter a remissão do seu pecado. Veja os exemplos de Paulo em 1 Tm 1.13, e de Pedro em Mt 25.70ss. [Quando a palavra de Deus foi apresentada claramente a uma pessoa e é evidente que
ela ficou impressionada, porque está apavorada, começa a tremer e sente que Deus a esta abordando. E chocante ouvir, num caso assim, alguém dizer: (Não, eu não acredito nisso! Eu não acredito! Você está interpretando mal as Escrituras!'] Isso pode não ser o pecado contra o Espirito Santo, mas é um passo naquela direção. Eu digo, um passo naquela direção, porque a pessoa pode reconsiderar seu ato e ser salva. Pedro havia dado três passos em direção ao pecado contra o Espirito Santo; no entanto, ele não agiu por Ódio contra Cristo, mas por medo. Ele esperava ser preso se admitisse que era um dos discípulos de Jesus. Esse medo de Pedro deu ao diabo a oportunidade de derrubar este grande e solido alicerce da Igreja. Mas o Espirito Santo reentrou no coração de Pedro, e Pedro se arrependeu de seu pecado.

e) Nas passagens citadas na letra b), esse pecado é chamado de ‘’falando uma palavra contra o Espirito Santo, ’’ ou ‘’blasfêmia contra o Espirito Santo’’. Assim, a forma que este pecado toma é uma fala aviltante dirigida contra o oficio do Espirito Santo, por exemplo, quando seu ensino e as maravilhosas obras que foram feitas para apoio são atribuídas ao poder e a operação de Satanás, como fizeram os fariseus.

f) Assim, é em sua natureza um pecado de caráter tal, que não pode ser perdoado e nunca é perdoado a ninguém, de acordo com as passagens em Mateus e Marcos, porque, por sua própria natureza, ele bloqueia o caminho ao arrependimento. A razão, no entanto, por que a impenitência final está tão ligada a este pecado é que as pessoas que o cometem diretamente e com toda malicia se opõem aos meios para sua conversão e que Deus, por isso, retira sua graça deles e os entrega a uma mente réproba. Uma pessoa que cometeu o pecado contra o Espirito Santo é condenada, não tanto por causa desse pecado, mas mais por sua falta de fé. A causa geral (causa communis) de sua condenação é a falta de fé; a causa especial (causa singularis) é a maliciosa e constante difamação da verdade.
Não é devido a um decreto absoluto de condenação, conforme ensinam os calvinistas que mantem o erro realmente diabólico de que tais pessoas não podem ser salvas porque Cristo não sofreu nem expiou os pecados delas nem as redimiu." Ha uma opinião atual de que certo Spiera havia cometido o pecado contra o Espirito Santo. Ele havia chegado a conhecer a verdade evangélica, mas a renunciou duas vezes, a segunda vez sob juramento. Ele entrou num estado mental terrível. Todos podiam ver que ele estava sofrendo os tormentos do inferno. Todas as tentativas de conforta-lo falharam. Paul Vergerius atendeu-lhe em sua enfermidade e lhe ministrou o consolo do Evangelho. No entanto, todos os nossos teólogos mantem a certeza de que Spiera não cometeu o pecado contra o Espirito Santo, porque ele condenou o pecado e estava convencido de que merecia a condenação eterna. Seu pecado foi desespero pela misericórdia de Deus. Além do mais, a razão pela qual Spiera renunciou a verdade foi que temia ser queimado pelos romanistas. O relato de Quenstedt sobre Spiera é citado no Compendia de Baier, Parte II, p. 328. O caso de Spiera é uma advertência solene e importante para todos os tempos. Forneceu a Vergerius o impulso final para desistir do papado, quando ele viu a agonia infernal que uma pessoa que renuncia a verdade evangélica tinha de sofrer.

Por Carl Ferdinand Wilhelm Walther, A correta distinção entre Lei e Evangelho, Pag: 339-346.

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