quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Guarda do Sábado


10 Motivos por que não guardamos o SÁBADO

“Porquanto ouvimos, que alguns que saíram dentre nós, vos perturbaram com palavras, e transtornaram as vossas almas, dizendo que deveis circuncidar-vos e guardar a lei, não lhes tendo nós dado mandamento” (Atos 15.24).
“Na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá” (Atos 15.28-29).
1º – Nem Deus nem Cristo incluiu o quarto mandamento na nova aliança. Se o tivessem incluído, ele estaria em algum lugar no Novo Testamento como os nove outros estão.

2º – De todas as palavras proferidas por Jesus na terra, somente quatro referências são feitas ao sábado: Mateus 12.8; 24.20: Marcos 2.27-28; Lucas 6.5. Ele apenas ensinou que é correto fazer o bem nesse dia e que nenhum dia é senhor do homem. Nem sequer uma vez ordenou alguma observância particular de algum dia específico.

3º – O antigo sábado judeu fazia parte do pacto entre Deus e Israel e era um símbolo e sinal daquela aliança (Êxodo 20.8-11; 31.13-18; Ezequiel 20.12-20). O pacto não havia sido feito com os homens antes de Moisés (Deuteronômio 5.2-3), nem com os gentios e igreja (Romanos 2.14; Deuteronômio 4.7-10). O sábado não é para eles.

4º- Dos dez mandamentos, o quarto era o único cerimonial e não uma lei moral. Seu único propósito era celebrar o livramento da escravidão egípcia, quando Israel não tinha descanso (Deuteronômio 5.15). Era apenas uma tipologia do descanso eterno (Colossenses 2.14-17); Hebreus 4.1-11; 10.1). Era natural oue ele ficasse fora da nova aliança, na qual a realidade do descanso veio daquilo que era uma sombra (Mateus 11.28.29; Colossenses 2.14-17). Os benefícios físicos e espirituais de um dia de descanso podem ser alcançados em qualquer outro dia da semana, e não apenas no sábado.

5º – O quarto mandamento era o único que podia acabar se tornando mera formalidade, sem afetar a moral dos homens. Todos os outros mandamentos dizem respeito às obrigações morais dos homens. É o único dos dez que poderia ser eliminado e ainda restar uma lei moral para os homens.

6º – Deus predisse e prometeu que Ele eliminaria o antigo sábado judeu (Oséias 2.11; Isaías 1.10-15).

7º – Os profetas predisseram que Deus aboliria a antiga aliança e faria uma nova (Isaías 42.6; 49.8; 59.21; Jeremias 31.13-40; 32.37-44; Ezequiel 36.24-38). Há uma referência clara a isso no Novo Testamento em Romanos 11.25-29; Hebreus 8.8-12; 10.16-18; Mateus 26.28).

8º – Em nenhuma passagem o texto bíblico afirma que os homens devam guardar o sábado judeu, para comemorar o antigo descanso da criação. O sábado era para comemorar o livramento do Egito (Deuteronômio 5.15), que os judeus deveriam “lembrar-se” (Êxodo 20).

9º – É o único mandamento que poderia ser transgredido, e foi transgredido, sem que se infringisse uma lei moral. Israel marchou em um sábado (Número 33.3; Levítico 23.5-11; Josué levantou o tabernáculo (Êxodo 40.1-17 com Levítico 23.5-11); examinou a terra de Canaã (Números 13.25); e lutou (1Reis 20.29; 2Reis 3.9) num sábado (Josué 6.12-16). Davi e outros transgrediram o sábado e foram considerados inocentes (Mateus 12.2-5).

10º – O Novo testamento permite que os cristãos guardem qualquer dia como sábado, sendo essa uma das coisas flexíveis não incluídas em mandamento pela nova aliança (Romanos 14.1-13; Gálatas 4.9-11; Colossenses 2.14-17). O dia que os cristãos primitivos observavam, não por mandamento, mas por escolha, era o domingo, ou o primeiro dia da semana.
“A pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a cabeça da esquina. Da parte do SENHOR se fez isto; maravilhoso é aos nossos olhos. Este é o dia que fez o SENHOR; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Salmo 118.22-24).
“Diz-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra, que os edificadores rejeitaram. Essa foi posta por cabeça do ângulo: Pelo Senhor foi feito isto. E é maravilhoso aos nossos olhos?” (Mateus 21.42).
“E Jesus, tendo ressuscitado na manhã do primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual tinha expulsado sete demônios” (Marcos 16.9).
“Chegada, pois, a tarde daquele dia, o primeiro da semana, e cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco” (João 20:19).
“E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e prolongou a prática até à meia-noite” (Atos 20:7).
“Ora, quanto à coleta que se faz para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que não se façam as coletas quando eu chegar” (1Coríntios 16.1-2).

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Terço Luterano



Terço Luterano

Jesus condenou as orações repetitivas?


Se sua resposta for sim, então Jesus pecou por repetir ao menos 3 vezes a mesma oração: E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Mateus 26:44

E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos… nesta passagem temos o motivo dos gentios repetirem as orações: acreditavam com elas ter mérito, como se a repetição pudesse acrescentar algo à fé deles. Portanto a condenação não está em repetir, mas em acreditar que a repetição te dará algum mérito diante de Deus, isto sim é condenável. Estas são as vãs repetições. 

Já a prática piedosa das orações escritas e mesmo do terço, quando se tem em mente que isto não te dará mérito diante de Deus, não sendo instrumento de barganha espiritual, então torna-se um instrumento de devoção sadia.


Então por que repetir se Deus não precisa disto?

De fato, Deus não precisa, mas nós sim. Repetimos e repetimos até que que a graça seja pregada ao nosso coração ao ponto de superar o medo e a falta de fé. Posso repetir a mesma oração quantas vezes minha alma precisar dela, mesmo que seja por toda uma vida!

Admito que tenho uma predileção pelas orações escritas da Igreja. Com elas eu consigo expressar tudo o que preciso. Certamente que isto não anula as intenções livres de nossas orações espontâneas. Mas as escritas sempre tiveram um lugar especial. Quando estou abatido e desanimado, são estes pequenos tesouros das orações que me tem servido.

Outro motivo que me leva a observar as orações escritas é o auxílio aos novos na fé, ainda aprendendo a orar. Como bem descreve C.S. Lewis em Cartas do Inferno:

"ele deve ser persuadido a aspirar algo inteiramente espontâneo, mais íntimo, informal e sem sistematização; e o que isso irá realmente significar para o principiante consistirá em um esforço para produzir em si mesmo um estado vagamente devocional, no qual a real concentração de vontade e inteligência simplesmente não existem." Carta IV

Nesta Obra, Lewis coloca uma série de cartas, onde um um diabo mais experiente escreve cartas ao seu sobrinho que está começando no serviço. A carta IV, especificamente trata de oração.
A explicação da dada é certeira. pode ser difícil para alguns iniciar uma vida devocional sem um guia. Mesmo para os que já estão acostumados, as orações escritas nos servem de esteio em momentos onde o abatimento nos deixa simplesmente sem saber o que dizer.
Posto isto, vale a pergunta:

O terço é obrigatório?

Se existe uma palavra que Luteranos gostam de usar é "Adiáforo".
É uma palavra grega que significa literalmente "indiferente". Ela é usada para tudo o que se coloca como algo de uso opcional. Este ensino vem diretamente da doutrina do Sola Scriptura. Neste ensino, entendemos que somente as Escrituras podem, com autoridade, agravar as consciências e nos impor restrições de culto.
Logo vemos a pergunta: onde está o terço na Bíblia? Justamente, não está! portanto não podemos dizer que isto seja de algum modo proibido. De igual modo, o fato de não estar lá, também significa que não foi ordenado. Então como devemos encarar biblicamente esta questão?

Devemos olhar para esta tradição como algo adiáforo, fruto de nossa liberdade cristã. Ninguém é mais cristão por praticar sua vida devocional com ou sem o terço, com ou sem as orações escritas. A prática das orações acompanhadas do terço não torna alguém "mais salvo". Somos salvos por Graça e Fé somente! Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; Efésios 2:8.

Desta forma, esta bela tradição das orações escritas acompanhadas das repetições do terço são uma tradição da cristandade que está contida na liberdade cristã. Liberdade esta que todos nós temos como filhos do mesmo Deus. esta liberdade me dá o direito de aproveitar esta prática sadia em minha vida devocional, ou mesmo de rejeitá-la. O que não podemos é justamente condenar o irmão pela forma como ele usa sua liberdade de Filho para se achegar ao Pai, a menos que tal repreensão seja estritamente baseada no ensino claro das escrituras.

Como usar um terço? 

Considerando o colocado acima, que esta prática não te dará mérito extra de forma alguma diante de Deus, que isto está vinculado exclusivamente à liberdade cristã, e que portanto, você não será obrigado a uma prática que não concorde, há várias formas de se usar o terço. Elenco aqui algumas sugestões entre várias.

Ave Maria: sim, podemos usar o famoso Ave Maria para meditarmos em seu conteúdo. Neste caso, recomendo a leitura aqui no blog mesmo postada sobre o Ave Maria interpretado por Lutero. Lembrando que usamos a fórmula pre-tridentina (Antes do Concílio de Trento, esta oração não possuía a segunda parte, que coloca Maria como intercessora). Sobre a invocação aos Santos, temos um capítulo dedicado a isto na Confissão de Augsburg (que pode ser lida no link no topo da página), mas adiantando, não invocamos aos Santos, embora nossa confissão admita tríplice honra aos Santos: Ações de Graça, fortalecimento na fé e por imitação de seus exemplos.)

10 mandamentos: outra prática é se usar as dezenas do terço para relembrar os 10 mandamentos e fazermos um auto-exame de nossas vidas a cada conta que passamos.

catecismo: há quem utilize o terço para relembrar os pontos do catecismo, passando por ele todo (creio que seja uma prática que leva um tempo mais longo)

Trisagion: Uma oração oriental (em grego literalmente: Três vezes Santo) esta é a minha recitação favorita para os momentos onde estou angustiado "Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós", "Agios o Theos, Agios Isxirós, Agios Athanatos, eleison imás" também gosto desta fórmula para as orações deprecatórias (confissão de pecados).

Magnificat: outra opção é a substituição do "Salve Rainha" da tradição católica Romana, e substituí-lo por algo escriturístico e que já é da prática luterana: O Magnificat.

Contemplação dos mistérios: A tradição cristã coloca as ladainhas (orações repetitivas) como um plano de fundo para o que realmente consiste a oração: os mistérios. Enquanto se recita o terço, a cada momento há um mistério a ser contemplado, sobre o qual recai a oração. Os mistérios são os mesmos do rosário, exceto pela ausência dos mistérios luminosos. Nos mistérios gloriosos, a contemplação da assunção da Virgem Maria e de sua coroação foi substituída pela contemplação da comunhão dos santos e da Nova Jerusalém, respectivamente. Acima de tudo, o terço não é para ser enfadonhamente repetido mecanicamente, mas para ser refletido. Eis o motivo das repetições: termos tempo para refletir.



Utiliza-se o mesmo cordão da Igreja de Roma, ou o cordão de oração dos ortodoxos, você pode encontrar em qualquer livraria católica ( Sim, existem "terços luteranos" mas com o frete internacional seu preço deve ficar muito mais alto)

Foto: Martin Chemnitz, um dos mais importantes teólogos luteranos, e em sua mão, um rosário em um modelo medieval chamado de paternoster



















domingo, 18 de fevereiro de 2018

Quarta reflexão na Quaresma: Se falhas cometi





Quarta reflexão na Quaresma: Se falhas cometi


Na reflexão anterior me detive no mal que cometemos enquanto buscamos fazer o bem. Hoje me detenho no mal que cometo voluntariamente.

Se tem algo que me fala mais alto aos ouvidos no louvor de Maria, o Magnificat, é sem dúvidas “A minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. Que nobre canção! Após a anunciação do anjo, Maria tem tempo para pensar no que ouviu, certamente passou pela angústia de querer explicar e não saber como, tentar contar para alguém e não ser compreendida. Seu próprio noivo tentou deixa-la! Então, ela vai à casa de sua prima, e após ser recebida, entoa este louvor. 

As circunstâncias estavam longe de ser favoráveis para Maria, mas isto é o que ela traz consigo: A plena satisfação em Deus! Que espírito puro e humilde o dela.
Este texto também nos exorta. Enquanto aquela que é bendita entre as mulheres tinha sua satisfação em Deus, quantas vezes não pequei por buscar minha satisfação fora de Deus.
nesta mesma hora, quando me deparo com a satisfação plena de Maria em Deus, seu Salvador, olho para dentro de mim, para as minhas paixões. Vejo o pecado deliberado de louvar menos a Deus na provação que durante a bonança, o pecado consciente de estar ansioso, temendo que de alguma forma a providência de Deus venha a faltar, vejo como, estando decidido a ser moderado em meus gastos, ao ver um produto diferente, sou levado a comprar sem muito refletir. Vejo-me perdido nas paixões do coração quando me detenho na beleza com que Deus agraciou suas filhas. Peco voluntariamente em meus pensamentos, palavras e ações. Não sou sempre um homem bom que as vezes comete o mal tentando fazer o bem. Sou também um pecador. Miserável homem que sou!

Tal natureza decadente é com maestria transcrito por Paul Gerhardt, considerado o maior poeta luterano depois de Lutero. Seus versos, O Haupt voll Blut und Wunden, traduzido como “O Fronte ensanguentada”:

O que tens suportado
foi minha própria dor;
eu mesmo sou culpado
de tua cruz Senhor.
Ó vê-me, aflito e pobre:
castigo mereci;
com tua graça encobre
o mal que cometi!

Sim, eu matei a Cristo! Sempre que me deparo com um crucifixo, a primeira coisa que me vem à mente é o meu corpo naquela cruz. É exatamente como deveria ser! Eu sou aquele Barrabás legitimamente condenado porque, de fato, era inexcusável de seus atos. Tinha uma cruz feita na minha medida. Eu mereci cada chaga pelas vezes que me recusei a perdoar, Aquela lança era minha no momento que recolhi a mão que deveria ter ajudado. Me tornei digno dos espinhos todas as vezes que desviei os olhos do Criador para desejar suas criaturas de modo infame.

Eu sou Barrabás! Não peco apenas porque tento fazer o bem e as vezes falho! Peco de modo consciente! Esta é a minha miséria! Que esperança posso ter nesta quaresma? Cristo! Quando olho aquela cruz, não vejo apenas que eu deveria estar ali, também vejo que EU NÃO ESTOU ALI! Não cabe o meu corpo naquela cruz porque aquela vaga já está ocupada.

"Cristo, na cruz, toma sobre si os pecados que você cometeu, carrega-os em seu lugar e os destrói. Isso é graça e misericórdia. E crer nisso firmemente, tê-lo diante dos olhos, não duvidar, isso se chama olhar para a imagem da graça e imprimi-la em sua mente. Veja, aqui os pecados deixam de ser pecados, pois são destruídos em Cristo. Assim, a imagem da vida e da graça de Cristo é nosso consolo face à imagem do pecado e da morte."
Martinho Lutero

Este é nosso caminhar, Justos, porém pecadores! Pelo meu pecado, reconheço que sou um miserável e odioso ser, digno do inferno. Mas quando contemplo a Cristo, vejo meu pecado castigado nele. Meu pecado foi forte o suficiente para tirar o brilho dos olhos do Senhor, Deus forte e Pai da Eternidade, em uma face coberta de sangue e sofrimento. Entretanto, Cristo foi forte o suficiente para me buscar do fundo de um abismo, me batizar para dentro de seu próprio corpo e colocar em mim o brilho de seus próprios olhos nos meus ao contemplar uma nova vida. Neste momento, por todas as vezes que pequei voluntariamente, só posso levantar meus olhos aos céus e dizer: Se falhas cometi, estavas comigo, mas eu não estava contigo. Assim, longe de ti, me detinham as criaturas que nada seriam se em ti não existissem. Kyrie, eleison! Senhor, Tem piedade!

Sola Scriptura e Nuda Scriptura

NUDA SCRIPTURA: A ala radical da Reforma, os anabatistas holandeses e alemães do século 16, alguns puritanos congregacionalistas de origem americana do século 17 e especialmente os evangélicos fundamentalistas também americanos do começo do século 20 ressignificaram o princípio de Sola Scriptura, reiterpretando-o como Nuda Scriptura (Escritura desacompanhada). 

Essa posição, que se tornou muito comum entre os evangélicos da América Latina, difundiu a ideia de que a Escritura é total e completamente suficiente como única fonte de doutrina e prática cristãs e, assim, descartou o ensino da Tradição Cristã, rejeitando os credos, as confissões e mesmo contribuições precedentes de outras áreas do saber. Para esses, não há nenhuma autoridade, exceto a Bíblia. Assim, cada pessoa ou comunidade passou a ser livre para interpretar a Bíblia sem referência ao passado cristão. 

Essa posição, entretanto, deve ser rejeitada, pois abre as portas para o individualismo, o subjetivismo e ao caos teológico. Com seu sistema fechado, o princípio da Nuda Scriptura nega a interdisciplinaridade e faz da teologia, em rigor, uma impossibilidade. Para a corrente principal da Reforma, Sola Scriptura é o princípio no qual a Bíblia tem primazia, mas não ao custo do total abandono da Tradição Cristã e mesmo de contribuições de outras áreas do saber. Toda a "obra teológica [dos reformadores] pressupõe a autoridade da Escritura e da genuína Tradição da igreja, derivada da Escritura. O que a noção do Sola Scriptura afirma é que, quando houver desarmonia entre a Bíblia é a Tradição, a Bíblia tem prioridade.

 (...)

 Ou seja, a tradição tem um papel de confirmação, iluminação e apoio. Mas não podemos afirmar inovações doutrinárias quando essas não podem ser encontradas na Palavra de Deus ou contradizem o que é revelado nas Escrituras. A Escritura é a única regra infalível de fé e prática, a única fonte e norma de autoridade, a autoridade final para julgar a doutrina e a prática cristãs, mas não é o único recurso dos cristãos. 

Desse modo, como Kevin DeYoung disse, devemos estudar a Bíblia com a ajuda "de bons professores, recursos escolares e fórmulas doutrinárias testadas". Ele continua: "Devemos aprender com grandes mestres que vieram antes de nós. Devemos permanecer firmes sobre os credos ecumênicos da igreja. E, para aqueles de nós em Tradições Confessionais -, temos de nos comprometer a apoiar nossos padrões confessionais de forma séria, cuidadosa e com integridade." Portanto, para a Reforma, a Escritura é a " Norma Normans (Norma que rege) de todas as decisões de fé e vida; os credos e as confissões são a "Norma Normata"(a norma que é regida). 

Somente a Escritura é a suprema autoridade em matéria de vida e doutrina; só a Bíblia é o árbitro de todas as controvérsias. Ou seja, para os herdeiros da Reforma, não há nenhuma autoridade acima da Bíblia. 
~ Franklin Ferreira, Pilares da Fé, p. 66-69

sábado, 17 de fevereiro de 2018

De costas para a Congregação



Alguns dias atrás estava lendo "De Spiritu Sancto" de São Basílio. Levei um tempo para entender o contexto maior, mas, entre muitas passagens, uma chama em especial a atenção para todo cristão de Comunidades Litúrgicas. "Olhamos para o Oriente em nossas orações, mas poucos de nós sabem que estamos buscando nossa própria e antiga pátria, o Paraíso que Deus plantou, o Éden que fica ao leste. Genesis 2:8"
Esta passagem lança uma importante luz sobre o "ad Orientem", ou, para quem não está familiarizado, significa que o Oficiante e todos os sacerdotes voltam-se para o altar (o leste litúrgico)

Virar-se para o altar é uma lembrança de nossa pátria. São Basílio se refere ao Éden, mas entendendo o Éden como o Paraíso. Isto nos lembra que estamos no mundo, mas não o pertencemos. Nosso reino não é daqui. O paraíso vindouro é a Nova Jerusalém, também nos lembrando que somos o povo de Deus, seu Israel espiritual. O Antigo Testamento fala dos israelitas no cativeiro numa terra estranha orando em direção à Terra de seus pais, a cidade que Ele escolheu e o Templo onde está o seu Nome. (2 Crônicas 6:38). De mesma forma, nós oramos voltados ao Oriente, nos lembrando da Nova Jerusalém que Deus nos prometeu.

A cada invocação no início de cada liturgia, lembramos que invocar o nome de Deus em comunidade é verdadeiramente ter Cristo presente, neste momento o paraíso se torna parte de nossa esfera temporal. Virar-se ao oriente ressalta esta natureza escatológica, proclamamos o seu Nome, até que Ele venha. Olhamos para o oriente esperando que o Senhor ressurreto retorne. Como seria estranho se, na invocação, e nas orações dessemos as costas à direção de onde vem a promessa aguardada por toda a igreja, justamente nos momentos onde mais a anunciamos.

Não se sinta mal se o oficiante dá as costas a você durante a liturgia, ele apenas está te apontando o que é maior que ele mesmo, e junto com você, olha para o oriente, para o Paraíso, pois assim como você, ele também deseja deixar esta terra do exílio

Kyrie, Eleison!



Na Língua do Povo

Kyrie, Eleison!
O Kyie, Eleison (Expressão grega para "Senhor, tem piedade) é uma antiga oração que é recorrente nos Salmos (Salmo 123:3, Salmo 86:3, etc...) como igreja, após entrarmos na presença de Deus com a invocação, nós imploramos a Deus que derrame sua maravilhosa Graça sobre nós. Historicamente, o Kyrie era usado como resposta congregacional, da mesma forma como hoje se utiliza o "amem". O oficiante, fazia uma série de orações intercessórias, e após cada uma, a congregação repetia: Kyrie, Eleison. Com o tempo, estas petições foram removidas, tornando o Kyrie um cântico pertencente à congregação, como uma doxologia (hino de contemplação à Santíssima Trindade). Um aspecto único do Kyrie é o fato de esta oração geral da Igreja ser é a única parte da divina liturgia nos ritos ocidentais entoada em língua grega. Esta era a língua corrente nos primeiros dias da Igreja. O Kyrie é um vestígio ainda desta época, testificando que confessamos a mesma fé de nossos pais, e além disso, uma forte indicação de que a divina liturgia deve ser feita na língua do povo. Desta forma, esta Igreja que é una, em toda sua história assimila expressões de fé dos povos onde Deus foi acrescentando seus filhos: Desde o Hebraico ( Amem, Aleluia, Hosana, etc...), passando pelo grego, latim, até termos todo este tesouro em nossa própria língua. Ao lembrarmos das palavras gregas: Kyrie, Eleison, em nossas congregações, testificamos que somos aquela mesma igreja de pentecostes. Onde o Espírito está presente, e todos entendemos o anúncio do Santo Evangelho em nossas línguas.

POR QUE CANTAR A LITURGIA?




POR QUE CANTAR A LITURGIA?


Santo Agostinho narra as origens do canto litúrgico:
“Não havia muito tempo que a igreja de Milão começara a adotar o consolador e edificante costume de celebrar com grande fervor os ritos com o canto dos fiéis, que uniam num só coro as vozes e o coração. Havia um ano ou pouco mais que Justino, (…) perseguia teu servo Ambrósio, por causa da heresia com que fora seduzido pelos arianos. A multidão dos fiéis velava na igreja, pronta a morrer com seu bispo, teu servo. Minha mãe, tua serva, pelo zelo era das primeiras nas vigílias: ela passava aí horas inteiras em oração. Também nós, embora ainda fracos espiritualmente, participávamos da consternação e emoção do povo. Foi então que começou o uso de cantarem hinos e salmos como os orientais, a fim de que os fiéis não se acabrunhassem com o tédio e a tristeza. Esse uso subsiste até hoje e foi imitado pela maior parte das comunidades de fiéis, espalhadas por todo mundo” (Conf. IX,15).

Ambrósio compunha hinos para sua comunidade. O “metro ambrosiano” (oito estrofes de 4 linhas) foi exemplo para os séculos seguintes. A ele se atribui a autoria do Te Deum, que até nossos dias é preservado em nossos cultos. (Clique no vídeo para ouvir)
O canto sempre foi uma fonte de edificação e consolo ao longo da história bi-milenar da igreja. Com ele, os que não podiam ler conseguiam aprender, aquilo que parecia longo de ser lembrado esta tornado fácil à lembrança.

Hoje vivemos tempos curiosos, professores de cursinhos parecem saber muito mais a importância de se transformar os ensinos em música que a comunidade Cristã que foi a primeira a fazer disto uma escola para o Evangelho.
O canto não serve para embelezar a missa, embora também o faça.

Ave Maria

A Ave Maria, por Martinho Lutero

Em 1522, a exemplo de todos os livros de oração da igreja medieval, Martinho Lutero manteve a tradicional Ave Maria no seu Livro de Oração Pessoal, mas deu a ela uma interpretação completamente evangélica, conforme vemos no seu comentário abaixo.


A Ave Maria

Tome nota disso: ninguém deve colocar a sua confiança ou convicção na Mãe de Deus ou em seus méritos, pois de tal confiança somente Deus é digno e este elevado culto é devido somente a ele. Preferivelmente, louve agradeça a Deus por causa de Maria e da graça que lhe foi dada. Louve-a e ame-a simplesmente como aquela que, sem mérito, obteve tais bênçãos de Deus, por pura misericórdia dele, como ela mesma testemunha no Magnificat [Lc 1.46-55].
Isto é muito semelhante a quando, por uma visão do céu, do sol e de toda a criação, sou movido a exaltar aquele que criou todas as coisas, trazendo tudo isso em minha oração e louvor, dizendo: Ó Deus, autor da bela e perfeita criação, concede-me... Da mesma forma, a nossa oração deve incluir a Mãe de Deus, como costumamos dizer: Ó Deus, que nobre pessoa tu criaste nela! Que ela seja bendita! E assim por diante. E tu que a honraste tão grandemente, concede também a mim...
Não permitam que os nossos corações se apeguem a ela, mas que por causa dela penetrem em Cristo e no próprio Deus. Assim, o que a Ave-Maria diz é que toda a glória deve ser dada a Deus, usando estas palavras: “Ave, Maria, cheia de graça. O Senhor é convosco [Lc 1.28];bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus Cristo. Amém”.
Você vê que estas palavras não tratam de oração, mas simplesmente em dar louvor e honra. Da mesma forma, não há petição nas primeiras palavras do Pai Nosso, mas sim louvor e glorificação de que Deus é nosso Pai e que ele está no céu. Portanto, não devemos fazer da Ave-Maria, nem uma oração, nem uma invocação, porque é inadequado interpretar as palavras além do que elas significam em si mesmas e para além do significado dado a elas pelo Espírito Santo.
Mas há duas coisas que podemos fazer. Primeiramente, podemos usar a Ave Maria como uma meditação em que recitamos o que a graça que Deus lhe deu. Secundariamente, devemos acrescentar um pedido de que todos possam conhecê-la e respeitá-la [como uma bendita por Deus].
Em primeiro lugar, ela é cheia de graça, proclamada para ser inteiramente sem pecado – algo axtraordinariamente grandioso. A graça de Deus encheu-a com tudo de bom e a tornou livre de todo o mal.
Em segundo lugar, Deus está com ela, o que significa que tudo o que ela fez ou deixou de fazer é divino e ação de Deus nela. Além disso, Deus a guardou e a protegeu de tudo o que poderia ser prejudicial a ela.
Em terceiro lugar, ela é bendita acima de todas as outras mulheres, não somente porque ela deu à luz sem lida, sofrimento e dano para si mesma, diferente de Eva e todas as outras mulheres, mas pela razão de pelo Espírito Santo e sem pecado, tornou-se fértil, concebeu e deu à luz de maneira a nenhuma outra mulher concedida.
Em quarto lugar, seu dar à luz é bendito visto que ela foi poupada da maldição sobre todos os filhos de Eva, que são concebidos em pecado [Sl 51.5] e nascem para merecer a morte e condenação. Somente o fruto do seu ventre é bendito, e através deste nascimento todos nós somos abençoados.
Além disso, uma oração ou pedido deve ser acrescentado – nossa oração por todos os que falam mal contra este Fruto e esta Mãe. Mas quem é que fala mal deste Fruto e desta Mãe? Qualquer um que persegue e fala mal contra sua obra, o evangelho e a fé cristã, como os judeus e os papistas estão fazendo agora.
A conclusão disso é que, no presente, ninguém fala mal dessa Mãe e de seu Fruto, tanto quanto aqueles que a bendizem com muitos rosários e constantemente falam da boca para fora a Ave Maria. Estes, mais do que quaisquer outros, falam mal contra a palavra de Cristo e a fé da pior maneira.
Portanto, repare que esta Mãe e seu Fruto são benditos em duplo modo – corporal e espiritual. Corporal com os lábios e as palavras da Ave-Maria; tais pessoas blasfemam e falar mal dela mais perigosamente. E espiritualmente [alguém bendiz ela] em seu coração ao louvar e render ação de graças pelo seu filho, Cristo – por todas as suas palavras, obras e sofrimentos. E ninguém faz isso senão aquele que tem a verdadeira fé cristã, porque sem esta fé nenhum coração é bom, mas é, por natureza, recheado de fala maligna e blasfêmia contra Deus e todos os santos. Por essa razão, quem não tem fé é aconselhado a abster-se de dizer a Ave Maria e todas as outras orações, porque a tal pessoa se aplicam as palavras: Em pecado se lhe torne a sua oração. [Sl 109.7].


- Bem-aventurado Martinho Lutero (1483-1546), doutor e reformador da igreja ( Livro de Oração Pessoal, 1522).
Fonte: Pelikan, J. J.; Oswald, H. C.; Lehmann, H. T. (Ed.). Luther's works, vol. 43 : Devotional Writings II. Philadelphia: Fortress Press, 1968. p. 39-41.)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Terceira reflexão na Quaresma: “perdoa-me, Senhor, Se em teu caminho não segui.”




Terceira reflexão na Quaresma: “perdoa-me, Senhor, Se em teu caminho não segui.”

John Bunyan, em sua obra “O Peregrino” expõe de maneira sublime porque erramos em nossa caminhada: “Olha: nessa aldeia próxima, que se chama Moralidade, vive um homem de muito juízo e grande reputação, cujo nome é Legalidade, o qual é muito hábil em tratar pessoas como tu, o que tem sido provado com numerosos exemplos; além disso, também sabe curar os indivíduos que padecem do cérebro. A casa dele fica daqui a um quarto de légua, quando muito, e, se ele não estiver em casa, seu filho, Urbanidade, que é um mancebo de grande talento, poderá servir-te tão bem como seu pai. Não deixes de lá ir. E se não estás disposto, como não deves estar, a voltar à tua cidade, manda buscar tua mulher e teus filhos, porque na aldeia de que te falo há muitas casas devolutas, e podes arranjar uma por preço muito módico. Outra coisa boa aí encontrarás: vizinhos honrados, de fino trato e bons costumes. A vida ali é muito barata e cômoda.”

E assim vai a história! “Cristão” deixa o caminho que lhe foi mostrado por conta de um conselho de um “sábio”. Sua proposta era simples, trocar o caminho difícil por uma vida tranquila e agradável na aldeia da “Moralidade”. Ele não se desviou porque buscava o mal, muito pelo contrário, ele o fez porque queria alívio ao seu fardo. Buscando o bem, praticou o mal. Quantas vezes não caímos no mesmo erro! Nem mesmo os Santos Apóstolos estava imunes a praticar o mal enquanto suas intenções eram de bem. São Paulo também lamenta de si mesmo: “Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo. Romanos 7:19”

Ah sedutora vila da moralidade! Quantas vezes buscamos alívio no que se apresenta como bem, mas está longe do caminho. Quantas vezes buscamos transformar nossa caminhada cristã num conjunto de “regras para uma vida melhor”, trocamos o Evangelho da Cruz para acatarmos orientações práticas sobre o que podemos ou não ouvir, o que podemos ou não ver, que posição política devo aceitar, quanto devo “semear”, com quais pessoas devo ou não falar. O senhor “Legalidade” anda bem ocupado distribuindo os seus conselhos em toda parte. O que vemos na vila da “moralidade”? Existe ordem, bons costumes, pessoas finas! Que desvio perigoso! Uma vida de aparente segurança, onde é convidativo para que se fique, mas ESTE NÃO É O CAMINHO!

Não se pode buscar a justificação em Cristo, se o fizer mediante a lei. Ser justificado é ato gracioso de Deus, e por isto mesmo, depende exclusivamente do Evangelho. A vila da legalidade destrói o bendito consolo que Deus tencionou dar aos homens pela gloriosa doutrina da justificação pela fé. Ao passo que a esta doutrina confere ao crente completa certeza da salvação, a da justificação pelas obras afasta esta certeza; porquanto arrebata a salvação da mão graciosa de Deus e a coloca na mão pecaminosa e impotente do próprio homem. É fato significativo que todos os que erram negando o sola fide, também negam a verdade escriturística que o crente possa estar seguro de sua salvação.
Quantas vezes caí no lodo da desconfiança, tive medo de fazer da graça de Deus uma “graça barata” e fui até a vila da “Moralidade”, me sentei com o senhor “Legalidade” para ouvir seus conselhos. Quantas vezes fui à igreja, confiando assim ter algum favor de Deus., Quantas vezes já participei de campanhas de oração crendo que nelas eu teria algum mérito para com Deus, ou dei ofertas em troca de bênçãos. Quantas vezes fui aos cultos, não porque sentia a necessidade, mas para não ficar em falta com o pastor e me complicar com Deus. Quantas vezes deixei de aproveitar uma diversão sadia porque achava ofender a Deus com minha felicidade numa diversão qualquer de uma festa.

Sim, eu pisei fora do caminho muitas vezes! Tentei fazer com que a Graça não fosse barata, tentei dar um preço a ela! Busquei a certeza de minha salvação, não no fato de ter ouvido a Palavra e recebido os sacramentos, mas nas obras que fiz. São Pedro negou a Cristo 3 vezes. Eu não sei quantas vezes eu já fiz isto buscando a vila fora do caminho. Aquele galo que cantou aos ouvidos do Apóstolo, repetidamente canta aos meus ouvidos.
Hoje, esta é a oração de alguém que se perdeu no caminho: “perdoa-me, Senhor, Se em teu caminho não segui.”

Segunda reflexão na quaresma: se em meu agir o teu amor também não refleti.



Segunda reflexão na quaresma: se em meu agir o teu amor também não refleti.


Seguindo a reflexão anterior, hoje, volto o olhar para o amor. De todas as palavras, a mais bela, e também a mais mal compreendida. Deus é amor. Não o que penso, nem o que sinto, mas Deus, ele sim é o Amor. Se na primeira reflexão houve um lamento pela forma como se vive, nesta parte, firmamos um compromisso com Deus. Quaresma não é apenas o lamento pelo pecado, mas o que este lamento produz em nós para a vida eterna. Amamos nossos animais, nossos colegas de trabalho e estudos, nossos amigos, nossos familiares, amamos a Deus. Amamos também circunstâncias, amamos eventos, amamos! Simplesmente amamos!

De uma forma ou de outra, nossa vida é repleta de amores! Melhor ainda quanto este amor é correspondido! Certa vez Cristo sondou a Pedro sobre seu amor: “Amas-me?” Uma pergunta aparentemente fácil de responder, mas os Santos Evangelhos nos mostram uma riqueza maior, a palavra “amar”, usada por Cristo não retratava qualquer forma de amor, mas aquele amor que é atributo do próprio Deus. Ágape, o amor sublime e perfeito com que Pedro era amado! Ele sabia que não poderia retribuir a Cristo o mesmo amor, ele então responde: “Tu sabes que te amo”, e nesta resposta, não era mais este amor sublime, mas o termo “Fileo”, um amor mais limitado, imperfeito. Este jogo de perguntas se repete, Cristo pergunta novamente se teria de Pedro o amor que ele dava correspondido, e novamente a resposta “Fileo”. Era tudo o que ele tinha. O Apóstolo amado sabia que não teria como retribuir o mesmo amor que recebia. Cristo não seria correspondido!

Então na terceira vez, Cristo pergunta “Amas-me”, não com o ágape, aquele amor que ele dava, mas “Fileo”, o amor imperfeito, limitado, tão humano! O Apóstolo estava já entristecido, sabia que até mesmo o seu melhor amor, não era digno de Cristo, quando então Cristo muda sua pergunta, ele aceita o amor que Pedro oferecia, e então agora ele responde pela última vez “Tu sabes que te amo”. As perguntas terminam. Nada mais era necessário! Pedro sabia que amava de modo imperfeito e lamentou sua própria limitação humana, mas sabia que teria em Cristo um amor ainda maior, mesmo que não fosse digno.

De mesmo modo, Jesus tomou os 12 consigo e subiu a Jerusalém, mas os seus não o compreenderam sobre as coisas que se passariam ali, somos limitados em entender o Amor, mesmo quando ele se mostra diante de nós. Nas palavras de J.S.Bach: “Meu Jesus, atrai-me para Ti que virei correndo. Pois a carne e o sangue não entendem perfeitamente, tanto quanto Teus discípulos, o que foi dito. Eles anseiam pelo mundo e pelas multidões; querem também, quando Te transfigurares, construir uma fortaleza segura no monte Tabor, Mas a Gólgota, que é tão cheia de sofrimento, e teu aviltamento não querem olhar. Ah, crucifica em mim, em meu peito corrompido, antes de mais nada, este mundo e os prazeres proibidos, E, então, entenderei exatamente o que dizes E irei, com multiplicada alegria, a Jerusalém.” (BWV 22).

Sem dúvidas, temos nesta vida uma visão de relance do que seja o Amor. Deus nos fez desejosos de realmente prová-lo. Ele ocultaria uma revelação que satisfizesse a esse suspiro? Não se pode crer que um Deus amoroso e sábio permita que o homem pereça perplexo diante deste desejo em provar tão grande atributo no Ser de Deus. Somos levados a crer que Deus, enfim, coroará essa natureza passível de um amor incompleto com o Amor sobrenatural. A benevolência de Deus nos conduz a esperar que ele solucione a grave limitação de nosso amor incompleto, este que é ao mesmo tempo indigno de Cristo, mas também tudo o que podemos retribuir. A justiça de Deus nos conduz à esperança de que seremos infundidos neste Amor em tons claros e com autoridade à nossa consciência.

Somos miseravelmente indignos! O melhor de nosso amor, ainda é índigo! Por isto, nos arrependemos também da forma como amamos. “Se em meu agir o teu amor também não refleti.” Mata-nos em Tua bondade! Desperta-nos em Tua piedade. Mortifica o antigo homem para que possa viver o novo, bem aqui nesta terra, para que nossos sentidos e todos os desejos e pensamentos possam dirigir-se a Ti.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Primeira reflexão na quaresma: “Perdoa-me, Senhor, se não vivi pra te servir”

Primeira reflexão na quaresma:

Por vezes a nossa mente nos leva a nos perdermos em debates sobre as grandes questões filosóficas e teológicas, e deixamos de olhar para dentro de nós. Agora iniciamos a quaresma, tempo de alinharmos nossas prioridades e pensamentos.

Como diria Jonathan Edwards, ''Eu necessito me arrepender do meu arrependimento que às vezes é tão superficial.'' Como é fácil perder o foco! Ainda mais quando estamos lidando com a penitência. Caímos por orgulho. Todas as vezes que pecamos, o fazemos por nos considerarmos fortes para resisti-lo. Quando reconhecemos nossa pequeneza, então, nos apoiando em Deus, de fato, podemos resistir ao pecado que nos cerca. 

No primeiro dia da Quaresma nos lembramos que somos pó (este é o significado das cinzas). Caídos em transgressões, olhamos para nós mesmos e vemos que mesmo tentando acertar, somos todos terrivelmente indignos diante de um Deus santo. Nesta hora, o sacerdote anuncia nossa sentença "lembre-se que você é pó, e ao pó retornará" e nos marca a fronte com o pó das cinzas. Então, reconhecemos que pecamos e reconhecemos justa a sentença. 

O que nos dará esperança? J. S. Bach, um dos maiores compositores da história da música nos remete nestes termos: “Senhor Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, Tu que suportaste a tortura, o medo e o escárnio, por mim na cruz expiraste, e me ganhastes a Graça do Pai, Eu vos imploro por tua amaríssima paixão: Por todos os meus pecados, tende piedade. Minha alma descansará em Jesus quando a terra esconder o meu corpo. Ah, chame-me depressa ó morte, Eu estou a morrer sem pesar, por mim, meu Jesus irá despertar (BWV 127). Que belas palavras de alguém que não duvidava de sua salvação. Bach sabia que a paixão, morte e ressurreição de Cristo é a nossa certeza, e enquanto lamenta o próprio pecado, descansa na certeza da redenção. Isto é a fé sempre penitente, sempre arrependida, a fé que busca a santidade!

Do que hoje me arrependo? Hoje oro: Perdoa-me, Senhor, se não vivi pra te servir” lembramos que somos pó, então o que de fato importa senão que esta vida sirva a algo maior que ela mesma? Qual arrependimento pode ser maior que viver toda uma vida, e no final dela, vermos que tudo o que fazemos irá se desmanchar. Talvez meus netos saibam meu nome, quem sabe os bisnetos saibam quem fui apenas como um nome no histórico? Nada permanece! Tudo é levado ao esquecimento! Você conhece os artistas famosos do rádio e do cinema da época de seu pai? E de seu avô? Somos pó, nada nos pode tirar desta jornada rumo ao esquecimento, salvo as sementes que plantamos para a eternidade. 

Perdoa-me, Senhor, se não vivi pra te servir” que esta seja a nossa oração! Todas as nossas lutas cairão no esquecimento, mas a Palavra do Senhor permanece para sempre! Isto não é pó, é eterno! Vivamos para o que é eterno e nossa quaresma, assim como toda a nossa vida, terão um sentido real.