terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Terço Luterano



Terço Luterano

Jesus condenou as orações repetitivas?


Se sua resposta for sim, então Jesus pecou por repetir ao menos 3 vezes a mesma oração: E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Mateus 26:44

E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos… nesta passagem temos o motivo dos gentios repetirem as orações: acreditavam com elas ter mérito, como se a repetição pudesse acrescentar algo à fé deles. Portanto a condenação não está em repetir, mas em acreditar que a repetição te dará algum mérito diante de Deus, isto sim é condenável. Estas são as vãs repetições. 

Já a prática piedosa das orações escritas e mesmo do terço, quando se tem em mente que isto não te dará mérito diante de Deus, não sendo instrumento de barganha espiritual, então torna-se um instrumento de devoção sadia.


Então por que repetir se Deus não precisa disto?

De fato, Deus não precisa, mas nós sim. Repetimos e repetimos até que que a graça seja pregada ao nosso coração ao ponto de superar o medo e a falta de fé. Posso repetir a mesma oração quantas vezes minha alma precisar dela, mesmo que seja por toda uma vida!

Admito que tenho uma predileção pelas orações escritas da Igreja. Com elas eu consigo expressar tudo o que preciso. Certamente que isto não anula as intenções livres de nossas orações espontâneas. Mas as escritas sempre tiveram um lugar especial. Quando estou abatido e desanimado, são estes pequenos tesouros das orações que me tem servido.

Outro motivo que me leva a observar as orações escritas é o auxílio aos novos na fé, ainda aprendendo a orar. Como bem descreve C.S. Lewis em Cartas do Inferno:

"ele deve ser persuadido a aspirar algo inteiramente espontâneo, mais íntimo, informal e sem sistematização; e o que isso irá realmente significar para o principiante consistirá em um esforço para produzir em si mesmo um estado vagamente devocional, no qual a real concentração de vontade e inteligência simplesmente não existem." Carta IV

Nesta Obra, Lewis coloca uma série de cartas, onde um um diabo mais experiente escreve cartas ao seu sobrinho que está começando no serviço. A carta IV, especificamente trata de oração.
A explicação da dada é certeira. pode ser difícil para alguns iniciar uma vida devocional sem um guia. Mesmo para os que já estão acostumados, as orações escritas nos servem de esteio em momentos onde o abatimento nos deixa simplesmente sem saber o que dizer.
Posto isto, vale a pergunta:

O terço é obrigatório?

Se existe uma palavra que Luteranos gostam de usar é "Adiáforo".
É uma palavra grega que significa literalmente "indiferente". Ela é usada para tudo o que se coloca como algo de uso opcional. Este ensino vem diretamente da doutrina do Sola Scriptura. Neste ensino, entendemos que somente as Escrituras podem, com autoridade, agravar as consciências e nos impor restrições de culto.
Logo vemos a pergunta: onde está o terço na Bíblia? Justamente, não está! portanto não podemos dizer que isto seja de algum modo proibido. De igual modo, o fato de não estar lá, também significa que não foi ordenado. Então como devemos encarar biblicamente esta questão?

Devemos olhar para esta tradição como algo adiáforo, fruto de nossa liberdade cristã. Ninguém é mais cristão por praticar sua vida devocional com ou sem o terço, com ou sem as orações escritas. A prática das orações acompanhadas do terço não torna alguém "mais salvo". Somos salvos por Graça e Fé somente! Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; Efésios 2:8.

Desta forma, esta bela tradição das orações escritas acompanhadas das repetições do terço são uma tradição da cristandade que está contida na liberdade cristã. Liberdade esta que todos nós temos como filhos do mesmo Deus. esta liberdade me dá o direito de aproveitar esta prática sadia em minha vida devocional, ou mesmo de rejeitá-la. O que não podemos é justamente condenar o irmão pela forma como ele usa sua liberdade de Filho para se achegar ao Pai, a menos que tal repreensão seja estritamente baseada no ensino claro das escrituras.

Como usar um terço? 

Considerando o colocado acima, que esta prática não te dará mérito extra de forma alguma diante de Deus, que isto está vinculado exclusivamente à liberdade cristã, e que portanto, você não será obrigado a uma prática que não concorde, há várias formas de se usar o terço. Elenco aqui algumas sugestões entre várias.

Ave Maria: sim, podemos usar o famoso Ave Maria para meditarmos em seu conteúdo. Neste caso, recomendo a leitura aqui no blog mesmo postada sobre o Ave Maria interpretado por Lutero. Lembrando que usamos a fórmula pre-tridentina (Antes do Concílio de Trento, esta oração não possuía a segunda parte, que coloca Maria como intercessora). Sobre a invocação aos Santos, temos um capítulo dedicado a isto na Confissão de Augsburg (que pode ser lida no link no topo da página), mas adiantando, não invocamos aos Santos, embora nossa confissão admita tríplice honra aos Santos: Ações de Graça, fortalecimento na fé e por imitação de seus exemplos.)

10 mandamentos: outra prática é se usar as dezenas do terço para relembrar os 10 mandamentos e fazermos um auto-exame de nossas vidas a cada conta que passamos.

catecismo: há quem utilize o terço para relembrar os pontos do catecismo, passando por ele todo (creio que seja uma prática que leva um tempo mais longo)

Trisagion: Uma oração oriental (em grego literalmente: Três vezes Santo) esta é a minha recitação favorita para os momentos onde estou angustiado "Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós", "Agios o Theos, Agios Isxirós, Agios Athanatos, eleison imás" também gosto desta fórmula para as orações deprecatórias (confissão de pecados).

Magnificat: outra opção é a substituição do "Salve Rainha" da tradição católica Romana, e substituí-lo por algo escriturístico e que já é da prática luterana: O Magnificat.

Contemplação dos mistérios: A tradição cristã coloca as ladainhas (orações repetitivas) como um plano de fundo para o que realmente consiste a oração: os mistérios. Enquanto se recita o terço, a cada momento há um mistério a ser contemplado, sobre o qual recai a oração. Os mistérios são os mesmos do rosário, exceto pela ausência dos mistérios luminosos. Nos mistérios gloriosos, a contemplação da assunção da Virgem Maria e de sua coroação foi substituída pela contemplação da comunhão dos santos e da Nova Jerusalém, respectivamente. Acima de tudo, o terço não é para ser enfadonhamente repetido mecanicamente, mas para ser refletido. Eis o motivo das repetições: termos tempo para refletir.



Utiliza-se o mesmo cordão da Igreja de Roma, ou o cordão de oração dos ortodoxos, você pode encontrar em qualquer livraria católica ( Sim, existem "terços luteranos" mas com o frete internacional seu preço deve ficar muito mais alto)

Foto: Martin Chemnitz, um dos mais importantes teólogos luteranos, e em sua mão, um rosário em um modelo medieval chamado de paternoster



















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