terça-feira, 1 de janeiro de 2019

submissão cristã X submissão política


O presente não é um artigo, mas um diálogo real, o nome do interlocutor foi intencionalmente omitido, não há necessidade de tal exposição.


EU: Como os assuntos políticos cruzaram nosso caminho inevitavelmente, devo deixar claro que a doutrina cristã de auto-rendição e obediência é puramente teológica, e de forma alguma política.A espécie e grau de obediência que uma criatura deve ao seu Criador é uma coisa singular em vista da relação entre criatura e Criador ser única: nenhuma inferência pode ser extraída dela em associação a qualquer proposição política QUALQUER QUE SEJA ELA.

INTERLOCUTOR: Pode explicar melhor??

EU: A natureza ontológica da auto-submissão da criatura para o criador tem um caráter único que não deve ser buscado fora do meio teológico. A exemplo, todos os crentes têm o dever de obedecer aos seus pastores precisamente como obedecem ao próprio Deus (Hb 13.17; Lc 10.16). Assim, enquanto os pastores são legítimos ministros da palavra, sua autoridade é tão grande quanto a da palavra de Deus. Entretanto, a partir do momento em que vão além da palavra de Deus e ensinam mandamentos de homens, já nenhuma autoridade têm, e os seus ouvintes devem recusar-lhes obediência por motivos de consciência (Mt 23.8; Rm 16.17).Este poder do ministro in persona Christi que pertence ao campo teológico não deve ser buscado para o campo político, onde a essência da dominação não se fundamente nos pressupostos sacerdotais. Neste ponto, as inferências sobre a figura autoritária do Estado não devem ser aproximadas da figura do poder-serviente demonstrado pelas Escrituras.

INTERLOCUTOR: Considerando que "rei" era um ofício cujo escolhido era ungido ao posto, e Deus havia instruído a postura destes dizendo que deveriam ter Sua lei como padrão, sendo portanto conhecedores dela.Quando Calvino escreve os comentários de Hebreus, ao dedicar ao rei polonês lhe fala sobre o dever de ser um novo Josias (aquele que ao conhecer a Lei corrigiu as práticas do povo de cima pra baixo).
Se toda autoridade é instituída por Deus e tem o papel de serva para aplicação da justiça (e quando ímpia atende ao propósito dEle de Juízo), isso não implica no dever dessa em se basear no padrão divino pra cumprir seu papel??
Não sei se entendi mal o que expôs, mas me ajudaê. rs

EU: Entendo seu ponto, mas aqui há uma distinção essencial entre a auto-submissão cristã às leis e a submissão ao poder estatal.
Evidente que estes não estarão sempre e em todas as áreas opostos, de modo que, preceitualmente, o cumprimento da obediência civil implica em observância também da ordenação divina. Neste ponto, podemos dizer haver legitimidade do poder civil segundo a lei. Mas aqui cabe uma resalva, que também é uma apologia a Calvino. A idéia de o rei ser um segundo Josias, e governar de acordo com o conceito de "lei divina" não deve ser entendido como a moderna teonomia o toma, assim, a norma não é a vontade dos homens (Mt 15.9); não é a consciência (Jo 16.2; At 26.9ss); não é a lei de Moisés segundo foi dada aos judeus, contendo elementos cerimoniais e políticos determinados unicamente para o Antigo Testamento (Lv 11; Nm 15.32ss, cf. Cl 2.16-17); não são mandamentos especiais dados a pessoas individuais (Gn 22.1ss); não é a igreja (Mt 23.8; Mc 7.7); porém tão só a lei moral de Deus, ou seja, a sua “vontade imutável” segundo se nos revela em passagens claras do Antigo e Novo Testamentos (Mt 22.37-40; Rm 13.10). Os homens podem errar; a consciência é falível; as leis temporais do Antigo Testamento foram abolidas; os mandamentos especiais limitaram-se a indivíduos; todavia a lei moral ou vontade imutável de Deus fica para sempre como norma e regra da vida cristã (Jo 12.48). 

O contexto da unção de Reis, era restrito ao povo de Israel, que possuia esta característica de monarquia teocrática centralizada, a participação da figura do rei na vida espiritual de seu povo portanto não compreende a lei moral, portanto adstrita a regulamentação civil da casa de Judá. O que podemos deduzir da responsabilidade dos governantes como instituídos por Deus, é que, de fato, o reino do poder é a mão de Deus para governar os homens com o jugo da lei, mas a relação entre lider e povo neste reino é uma escala muito reduzida da submissão dentro da esfera do Reino dos céus.

Neste sentido, a doutrina cristã da auto-rendição da vontade, que está ligada ao conceito de santificação e das boas-obras deve ser entendida em seu meio pecular que é teológico. No campo político, podemos falar em obediência civil, ou até mesmo podemos admitir a ideia de resitência política, rejeitamos a falsa doutrina de que o Estado poderia ultrapassar a sua missão específica, tornando-se uma diretriz única e totalitária da existência humana, podendo também cumprir desse modo, a missão confiada à Igreja. 
Um bom referencial doutrinário de uma teologia de resistência é conveniente a leitura da Declaração de Barmen de 1934, comum às igrejas luteranas e reformadas

Nenhum comentário:

Postar um comentário