segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Como Tocar a Liturgia



Antes de mais nada, eu admito, a ideia inicial era de fazer disto um artigo, ainda não abandonei a ideia, mas inserir todas as citações em seus devidos lugares ainda é uma atividade que tomará tempo, motivo pelo qual divulgo o esqueleto do texto por aqui.



1. Introdução



Hoje em dia, quando se fala de improvisação, podemos mencionar conceitos diferentes: desde realmente inventar algo ex tempore no ato, até simplesmente adicionar alguns pequenos ornamentos a uma peça composta. Ao longo deste espectro, existem muitas posibilidades. Por exemplo, quanto é realmente inventado no ato, quanto se baseia em um material existente ou progressões comuns, quanto se preparou com antecedência e assim por diante. Todas essas situações cinzentas não foram definidas ou categorizadas em épocas anteriores; todos eles eram referidos simplesmente como "tocar música". Existem maneiras diferentes de discutir a improvisação musical histórica e litúrgica. Nisto, focaremos na linha entre composição e improvisação, ou seja, o que é dado versus o que é realizado. Passaremos por diferentes situações musicais e veremos quanto material musical incluído nelas foi composto com antecedência e quanto era o que hoje chamamos de improvisação.


2. As Origens da Improvisação na Música Litúrgica no Canto Gregoriano


Cantar faz parte da liturgia cristã desde os primeiros dias da Igreja, apenas não se sabe muito sobre isso porque não havia como preservar a música. [1]Só é sabido que seu repertório não fora unificado; cada lugar tinha suas próprias tradições musicais. O que se tem notícia é que, por volta do século VIII, houve uma tentativa de unificar os cânticos em todo o mundo cristão, para que todas as igrejas seguissem um único cânone e cantassem o mesmo repertório. Por conta disto, sistemas de notação mais precisos foram procurados.

A pessoa que resolveu esse problema foi Guido d'Arezzo. Ele acrescentou indicações de onde Fa e Do estão. Estas são importantes porque indicam onde está o semitom.[2] O leitor poderia saber que as etapas são geralmente tons inteiros, exceto quando estão abaixo de F e C, onde as etapas são semitons. Em outras palavras, agora é possível ver música lida.[3]

Algum tempo depois, no século XIII, em um manuscrito contemporâneo da famosa escola de Notre Dame, de onde reputa-se a origem das primeiras formas de polifonia, até a polifonia ser introduzida, a principal coisa a se enquadrar no termo "música" eram apenas melodias. Estas eram bastante livres ritmicamente, ou pelo menos não estavam rigidamente ligados a qualquer sistema.

Os cantos neo-galicanos incluem um repertório bastante surpreendente: alguns cantos foram compostos no "velho estilo gregoriano"; e outros, compostos de uma maneira mais moderna, usando um método de notação mais refinado, que incluía tremolo, vibrato, portamento, ornamentos e instruções detalhadas de andamento. Além disso, havia a prática de improvisar vozes adicionais baseadas nos cantos - chant sur le livre - que incluíam o acompanhamento dos cantos com instrumentos de baixo. O canto neo-galicano foi usado até meados do século XIX, e é um corpus de música independente bastante grande, com seu próprio contexto histórico e litúrgico[4].

Neste ponto, onde o Canto Gregoriano e o Neo-Galicano surgem como diferentes vertentes da musicalidade da liturgia da Igreja, resalta-se que tal confluência musical dá-se no período histórico da Reforma, e por conseguinte, na formação da identidade litúrgica da Igreja Luterana. Neste ponto, 3 itens de destaque se seguem sobre o canto litúrgico:


a. Alternatim

Frequentemente, al invés de ser cantado todos os trechos do canto, a música era dividida entre performance vocal e performance instrumental; as partes instrumentais eram composições baseadas no canto. Exemplos famosos são encontrados no Fiori Musicali de Frescobaldi.De onde se pode identificar a presença de solos instrumentais, e o que modernamente se poderia identificar como um Riff.


b. Base para composição.

Ao longo dos séculos, foram usadas melodias simples como base para composições polifônicas. Aqui estão alguns exemplos e famosos: Missa Pange Lingua, de Josquin de Prez, fornece o motivo a ser encontrado nas Vésperas de Claudio Monteverdi, e no Credo de Johann Sebastian Bach, da missa em Si menor.


c. Base para Improvisação.

Como mencionada a prática neo-galicana de cantar o cantus e improvisar novas vozes acima de improviso, chant sur le livre, evidências de tais práticas, são encontradas em toda a Europa entre os séculos XV e XVII. Era uma maneira simples de adicionar um pouco de harmonia aos cantos sem compor nada. O termo italiano associado a essa prática é contrapunto alla mente.




3. Aspectos transitórios entre a liturgia gregoriana e a nova liturgia do século XVI e XVII



Nos séculos XVI e XVII, ao se usar o termo monodia, entende-se que estamos falando de uma voz e acompanhamento.

Antes que a música para uma voz e acompanhamento fosse realmente composta, havia uma prática de tocar música polifônica com apenas um cantor e acompanhamento. Ou seja, em vez de cada parte da peça ser cantada, apenas uma é cantada e as outras partes são tocadas por instrumentos, seja por vários instrumentos ou apenas por um que seja capaz de tocar todas as partes, como um instrumento de teclado ou um alaúde.

Essa prática tornou-se popular no decorrer do século e algumas peças foram compostas originalmente com a intenção de serem executadas dessa maneira. Isso às vezes é chamado de "pseudo-monododia" pelos estudiosos, porque não é originalmente uma peça para uma voz e acompanhamento, é uma peça polifônica, que é executada como uma monodia.

Para uma verdadeira monodia o compositor escrevia apenas a voz solo e o baixo que a acompanha, e as partes internas deviam ser preenchidas pelo artista, com base no pressuposto de que ele possuisse entendimento musical suficiente para a tarefa. Essa linha de baixo que exige a conclusão do artista é, obviamente, o baixo contínuo, e essas peças, para apenas uma voz solo e baixo contínuo, estavam começando a aparecer no final do século XVI.

Eles são encontrados em todos os gêneros: canções de amor, dramas musicais e música litúrgica de destacam. Uma fonte primordial para monodias é a famosa Nuove Musiche de Caccini, de 1602. Tanto o nome - "nova música" - quanto o prefácio detalhado nos dizem muito sobre esse gênero. As Lamentazioni de Cavalieri são uma fonte para as primeiras monodias litúrgicas, compostas antes de 1600.Esta obra consta composições altamente expressivas e cromáticas.

Na segunda metade do século XVI, na Itália, em algum lugar entre o canto gregoriano simples e a polifonia complicada, criou-se o chamado Falsobordone, um esqueleto musical simples, tipicamente em quatro partes, para o qual os textos dos Salmos podem ser cantados. Foi uma maneira rápida de "atualizar" os salmos em grande parte entoados no tom de recitação. Isso sempre incluía um momento em que os cantores eram obrigados a recitar uma parte do texto em uma única nota. Como, de fato, não foi possível transcrever fielmente uma recitação usando a notação ocidental bastante rígida, da maneira como eles a notaram, muitas vezes usando uma nota longa na qual o texto deveria ser ajustado e recitado.[5]

Nas novas monodias do início do século XVII raramente encontramos a notação falsobordona; em vez disso, os compositores tentaram anotar as coisas com mais precisão, nota por nota. No entanto, é claro que uma versão precisa da notação seria muito rígida e careceria da desejada recitação semelhante à fala e sprezzatura brilhante que lemos nas fontes. Uma exceção interessante, embora não seja uma monododia, é o madrigal Sfogava con le stelle de Monteverdi, onde ele usou notação falsobordona quando queria que todas as vozes recitassem juntas. Por outro lado, no famoso prólogo do compositor para Orfeo, que é surpreendentemente semelhante ao início de Sfogava con le stelle, ele usou notação normal. Parece, porém, que o resultado final deve ser mais ou menos semelhante - recitar cantando, algo entre recitar e cantar.

Em resumo, as recitações encontradas na monodia do início do século XVII, além de suas origens mais óbvias da poesia e do drama, vieram também da prática comum de recitar falsibordoni na igreja.

A próxima coisa que notamos quando analisamos as monodias são algumas progressões estranhas. Existem três razões principais para que as coisas pareçam um pouco estranhas nas monodias do início do século XVII:

1. quando a melodia salta entre vozes assumidas;

2. quando os ornamentos são escritos; e

3. quando notas de antecipação são usadas.

Ao se examinar monodia de Caccini "Movetevi a pieta". Deve-se ser notado que Caccini usava o intervalo dissonante de uma sétima. Concede-se que ele preparou a nota de antemão, mas sua resolução não segue o padrão de sua época corretamente. Em vez de resolvê-lo descendo um passo, para D, ele faz um salto da dissonância até A. Como um bicínio renascentista, uma peça verdadeiramente para duas vozes, isso não seria permitido. Contudo, há mais do que apenas duas vozes como a notação apresenta. Ao longo da voz solo, há a indicação para o acompanhamento, o baixo contínuo, que contém em si uma espécie de quadro de contraponto. Se reconstruíssemos essa estrutura contrapontística em quatro partes, esta resolução seria a síntese dos movimentos individuais Nesse contexto, espera-se que as partes ajam de acordo com as regras. Mas, no caso de uma monodia, a voz solo é capaz de saltar entre as partes da estrutura contrapontística assumida, criando linhas melódicas incomuns e expressivas, que parecem desafiar as regras do contraponto. Tais linhas melódicas aparentemente "erradas" são encontradas com muita frequência no início do século XVII.

Na maior parte do século XVI, as peças vocais foram anotadas sem nenhuma ornamentação ou diminuição. Além das notas compostas, esperava-se que os músicos adicionassem ornamentos, como trilli, gruppi e accenti, além de diminuições mais complexas, em outras palavras, a capacidade de se criar sobre o que foi escrito, com ampla liberdade interpretativa.

No entanto, na virada do século XVII, pequenos ornamentos eram muitas vezes escritos nas peças e passaram a ser considerados partes inseparáveis ​​da composição. O uso de accenti dissonantes com o baixo se desenvolveu de um breve melisma para parte integrante da linguagem musical no século XVII, levando à técnica a assumir uma função de preparação para uma mudança de tom.

As notas de antecipação, como o próprio nome sugere, antecipam a nota ou a harmonia que as segue, mesmo que isso signifique que, por um tempo, elas ficarão completamente dissonantes com a harmonia atual, como se pode ver no espantoso Lá bemol no início do terceiro ato do Orfeo de Monteverdi.

Um dos componentes mais importantes encontrados no início do século XVII é a cadência. De fato, a principal diferença entre o contraponto clássico da Renascença e a música do início do século XVII, é o número e a força das cadências. No século XVI, os compositores evitavam cadências fortes e permitiram apenas algumas em cada peça. No entanto, na virada do século XVII, reforçou-se o uso de cadências fortes, aparecendo no final de cada sentença musical.

Na mesma obra já referida, Orfeo de Monteverdi, na primeira aparição de Euridice, nos oito compassos de abrtura, há nada menos que cinco cadências, todas cadências autênticas em duas etapas. Entretanto, como é sabido, para essas cadências, são necessários pelo menos três componentes: tenorizans, cantizans e bassizans. Portanto, além das duas partes compostas, é necessário encontrar o terceiro componente que falta em cada cadência e incluí-lo no acompanhamento. Desta forma, encontra-se todos os componentes necessários para ajudar a construir o acompanhamento. Uma das razões para isso é que o ponto da cadência de maior peso, o penúltimo passo, o momento em que os cantizans se dissonam com os tenorizans, também é onde se encontra o accento da frase textual. Nesse caso, excluindo a primeira linha, é exatamente onde Monteverdi define as cadências. No entanto, embora se possa pensar que tudo pode ter uma explicação ou lógica por trás, infelizmente este não é o caso. Nesse período, muitos compositores experimentaram e fizeram coisas muito estranhas que desafiam qualquer explicação ou lógica. Isso também faz parte da musicalidade desta época.

O que fica evidente no período é que a improvisação na execução da liturgia ultrapassa os limites do chant sur le livre do estilo gregoriano para admitir uma liberdade ainda maior, não apenas na possibilidade das dissonâncias nas cadências, mas também por flexibilizar a interação entre cantores e tocadores, onde os instrumentos poderiam assumir a parte destinada ao canto, ou mesmo, permitir dissonâncias em cadências repetitivas, o que na antiga forma, seria um erro grave de execução.




4. Adição de ornamentos e diminuições nos séculos XVI e XVII – A consolidação da forma litúrgica.



O padrão da composição musical, dentro e fora da esfera religiosa era entelaçado com o papel do músico ao executar a obra. Desta feita, o compositor fornecia as notas básicas da peça e o artista, de acordo com seu nível, deveria adornar a música com pequenas graças e também com passaggi ou diminuições mais elaboradas.[6] Esse campo da performance é de longe o mais rico em tratados. O tratado mais antigo, do século XVI é o Fontegara de Sylvestro Ganassi, de 1535. No início do século XVII, mais e mais tratados foram publicados. Entre os autores de destaque, estão dalla Casa, Bassano, Bovicelli e Ricardo e Francesco Rognoni. Estes tratados são voltados a ensinar gradualmente como preencher intervalos ao improviso, específicamente partes da liturgia da missa e madrigais, onde uma vez que o aluno tivesse acumulado maneiras diferentes de adicionar diminuições entre os vários intervalos, ele poderia facilmente, e sem profundo entendimento do contraponto, executar peças de acordo com a prática de desempenho aceita, ou seja, com muitos ornamentos e diminuições.

Atualmente, esses tratados ainda são estudados e novas impressões continuam a ser publicadas por renomadas casas de música.



1. Adição de ornamentos e diminuições em conjuntos.

Quando se considera diminuições, muitas vezes se pensa em um único artista virtuoso acompanhado, mas a adição de ornamentos e diminuições também era esperada no caso de um conjunto vocal ou instrumental completo. Nesse caso, cada parte pode ter uma função ligeiramente diferente e ter, ou não, certos ornamentos. Isso é descrito em detalhes por Luigi Zenobi no final do século XVI[7].



2. “Viola Bastarda”.

No caso da performance de diminuições solísticas instrumentais, a pessoa é livre de muitas das limitações incluídas em uma performance de conjunto. Além do teclado ou dos instrumentos de cordas pinçadas que são capazes de tocar todas as partes de uma peça sozinhos, existe o caso de outros instrumentos com uma ampla versatilidade. Por exemplo, um instrumento como uma viola baixo é capaz de saltar entre diferentes partes da peça. Isso costumava ser chamado de "Viola Bastarda", embora a prática não seja necessariamente exclusiva das violas.



4.1 Tipos de improvisos usados na liturgia entre os séculos XVI e XVII



4.1.1 Cadências Estendidas

Assim como na cadência mais tardia do final do período barroco e clássico, existem fontes do início do século XVII que descrevem a possibilidade de prolongar o penúltimo passo da cadência para a execução de mais diminuições. Essas cadências estendidas eram chamadas nos tratados "cadenze per finale". Então, essa foi a primeira variação, ou improviso: usar um material existente e, aprimorá-lo com notas e ornamentos adicionais no ato da execução. A próxima variação, ou improviso se constituia em pegar um determinado material musical e executá-lo várias vezes, mas cada vez um pouco diferente, com variações.



4.1.2 Executar Variações Baseadas Numa Sequência Harmônica.

As peças de variação foram muito comuns no período e, de fato, permaneceram uma forma musical comum por muito tempo. Como seu conceito é simples, é muito plausível acreditar que as peças sobreviventes são apenas um exemplo de uma prática comum, em que os músicos faziam interpretações instrumentais de músicas ou danças, ou seja, improvisavam de acordo com as necessidades do momento e seu nível técnico.

As muitas peças de variação sobreviventes são escritas principalmente para teclado ou instrumentos de cordas pinçadas, mas após a virada do século XVII, também é possível encontrar essas peças para conjuntos. Na Itália, o formulário era frequentemente chamado de partite, Além das peças de variação baseadas em determinadas melodias, há outras baseadas em progressões harmônicas mais abstratas.

Um exemplo inicial dessa prática é encontrado no Tratado de Ortiz de 1553, onde ele fornece uma sequência harmônica curta que deve ser repetida em um instrumento de teclado enquanto um instrumento melódico está realizando variações. Entre as sequências harmônicas mais populares, estão Passamezzo, Romanesca e Passacaglia. Um exemplo de como essas peças de variação escritas são um pouco diferentes da forma como percebemos uma peça atualmente é a "partite sopra l'aria della Romanesca" de Frescobaldi. Pode ser encontrada em duas edições diferentes de seu primeiro livro de toccatas, publicado pela primeira vez em 1615. Em uma edição, ele mudou e adicionou mais variações à sua Romanesca. Mudar uma peça que já foi impressa uma vez não era algo comum. Peças de variação, no entanto, pelo menos naquela época, tinham uma certa flexibilidade conectada a elas.

Outro ponto referente às peças de variação é a transição, que ocorreu algumas décadas no século XVII, entre as sequências harmônicas repetidas bastante abstratas nos padrões de baixo literalmente repetidos - o basso ostinato. Um caso de estudo desse fenômeno é a sequência da passacaglia. Para começar, o Passacaglia era de definição o mais abstrata possível: um certo movimento harmônico, tipicamente com um baixo descendente, mas nem sempre, desde o primeiro grau do modo até o quinto grau. A transição gradual para baixos repetidos literalmente permitiu maneiras mais fáceis de improvisação: quando o baixo é constante, a voz ou as vozes superiores conseguem saber com mais segurança o que estão fazendo. Um exemplo para esse exemplo é encontrado em um dos manuscritos sobreviventes da L´incoronazione di Poppea de Monteverdi, onde está escrito "Si suona passacaglie", aqui uma passacaglia deve ser tocada, mas nenhuma música é fornecida. Os músicos, no entanto, improvisavam algumas passacaglie.

Na Inglaterra, peças com baixo literalmente repetido se tornaram muito populares durante o século XVII e foram chamadas de fundamentos. Uma fonte importante disso é "The Art of Playing ex tempore on a Ground", de Christopher Simpson, de 1659.


4.1.3 Execução de uma determinada parte ou partimento de baixo contínuo.

Ao realizar um baixo contínuo, espera-se adicionar mais partes sobre de um determinado baixo. Ainda, deve estar de acordo com as outras partes escritas da peça e, assim, apoiar a composição. Exceto por breves momentos de transição, geralmente não é um lugar para muita fantasia, pois muita fantasia provavelmente ofuscaria as partes escritas.

Agostino Agazzari, em um dos primeiros tratados sobre baixo contínuo, de 1607, descreveu como cada instrumento possui uma função diferente ao tocar baixo contínuo. Para ele, qualquer instrumento poderia tocar baixo contínuo; de teclados a violinos. Ele sugeriu que diferentes instrumentos podem adicionar pequenas passagens e ornamentos, mas observou o perigo de criatividade excessiva, que pode levar a “confusão; algo indigno e desagradável para o ouvinte." Além disso, se houver vários instrumentos tocando juntos, eles devem "aguardar sua vez e não criar uma balbúrdia de uma só vez ".

Um ponto a se considerar sobre improvisar sobre uma linha de baixo perceber um baixo para dar suporte a uma composição existente é que se tocando novas partes é possível criar novas composições. Nesse caso, a linha de baixo deve ser mais corretamente chamada de partimento. Os partimenti foram amplamente utilizados apenas no final do século XVII e adentraram no seculo seguinte, mas suas raízes já podem ser encontradas no início do século XVII.

Na Itália, os organistas tiveram um grande papel na liturgia e esperava-se que fornecessem música em diferentes partes das diferentes cerimônias, livremente ou baseadas em melodias de canto, e no comprimento necessário de acordo com o momento. Isso era principalmente música improvisada. Uma das práticas envolvidas era a chamada prática alternatim, onde versetti de órgão substituíam os versos cantados. Para ajudar os organistas iniciantes, pelo menos em parte, Adriano Banchieri em seu livro L´organo Suonarino, de 1605, fornece linhas de baixo com alguns sinais especiais como um guia para os organistas iniciantes, para que eles não se percam ao improvisar os versetti, ou, mais claramente, para que eles comecem e terminem com a nota certa e não confundam os cantores.

O organista deveria perceber esse baixo, como um basso continuo, e, de acordo com as regras do contraponto, o organista estava livre para tocar basicamente o que quisesse junto desse baixo, mas se se olhar mais de perto, Banchieri às vezes dava dicas para uma realização de fuga.

Esse conceito, de fornecer uma linha de baixo com ou sem figuras, com poucas ou muitas dicas de como deve ser realizado, é a idéia básica por trás dos partimenti, quese tornaram em uma maneira padrão de se ensinar harmonia, contraponto e improvisação, até o século XIX. Assim, tendo uma linha de baixo de uma peça, podemos produzir acompanhamento no caso do baixo contínuo, ou produzir uma peça por si só no caso de partite.



4.1.4 Execução de peças baseadas em uma determinada melodia de canto ou um soggetto abstratto

Quanto à já mencionada prática de “Cantare super librum”, onde enquanto um canto é entoado como um cantus firmus, outras vozes são adicionadas a ele por improvisação, Esta prática é amplamente documentada em toda a Europa dos séculos XV ao XVII, tanto com meros relatos sobre a prática quanto com descrições em tratados sobre como ela deve ser feita. A prática era muito variada em estilo. Alguns cantaram apenas consonâncias homofonicamente com o cantus firmus, enquanto outros cantaram contrapontos mais complexos com dissonâncias e cânones. Antimo Liberti, testemunhou os cantores papais em meados do século XVII, escreveu:

"ouvir cada um desses cantores educados enquanto eles compõem de improviso em um cantoo comum, isto é, fazer contrapunto alla mente com nobre harmonia , como se ela fosse escrita e composta com antecedência, provoca ao mesmo tempo admiração e doçura".

Independentemente da qualidade, estilo e crítica variados, essa prática foi muito proeminente e exigiu que cada cantor praticasse e conhecesse o contraponto muito bem.

Um procedimento que é um pouco semelhante, mas realizado por um único improvisador, era uma das tarefas diárias de um organista da Igreja.Esperava-se que ele incorporasse cânticos litúrgicos em suas peças; especialmente no contexto do alternatim, mas não somente. Isso incluía versetti, que, de acordo com os exemplos sobreviventes, poderiam ter estilos diferentes, mas frequentemente envolvendo imitação. Nesse momento, é difícil não mencionar Frescobaldi mais uma vez, com seus Versetti da Fiori Musicali. Mas a incorporação de determinadas melodias não também se estendeu a fantasias e ricercari mais longos e mais complexos também foram algumas vezes baseados em materiais litúrgicos e improvisados ​​no momento da execução.

Por exemplo, nos exames de admissão para se tornar um organista em San Marco, em Veneza, no século XVI, foi dada uma tarefa: com base em um Kyrie selecionado ou em outra melodia litúrgica, o candidato deveria improvisar uma fantasia a quatro vozes, com partes claras , "Como se fossem quatro cantores se apresentando".

Originário do início do século XVI, o gênero da fantasia era muito popular, tanto na forma escrita quanto nos relatos de improvisações ao vivo. Um tratado importante em geral, mas especialmente a esse respeito, é a "Arte de Tañer Fantasia" de Santa Maria, o verbo "tocar", de acordo com Santa Maria, inclui compor e improvisar, e não apenas "executar".



4.1.5 Realizar peças livres com apenas um determinado modo ou absolutamente nada

Quando uma peça vocal é executada, seja na igreja ou de outra forma, muitas vezes é necessário ter uma pequena introdução musical, ou "entonação", para estabelecer o modo da peça, para que os cantores possam encontrar facilmente suas notas. Quando uma peça é necessária, o único elemento musical fornecido é o modo, o restante depende do músico. Quando esses prelúdios eram bastante curtos, eram chamados de "entonações" de forma muito semelhante às modernas introduções aos hinos, como executado nas igrejas, mas quando eram mais longos eram comumente chamados de toccate.

Aqui está como Praetorius a define:

“Uma toccata é um prelúdio tocado por um organista quando ele se senta ao teclado, antes de iniciar o moteto ou fuga. É inventada no momento com simples acordes e diminuições individuais. Cada músico tem sua própria maneira de executá-la.”

De fato, os inúmeros exemplos de toccate escritas de diferentes países e décadas diferentes são frequentemente preenchidas com diminuições virtuosas. Apesar dos vastos exemplos de toccate escritas que temos, os grandes mestres que os compunham os improvisavam como parte de seus deveres diários.

Diz-nos um músico francês que visita Roma que, embora as "obras impressas de Frescobaldi apresentem evidências suficientes de sua habilidade, para julgar adequadamente seu profundo conhecimento, você deve ouvi-lo enquanto ele improvisa tocatas cheias de refinamento e invenções admiráveis."

Em alguns casos, não é o modo dado ao improvisador, mas um efeito desejado.

É o caso, por exemplo, da elevação eucarística, parte da liturgia em que o sacramento é elevado pelo sacerdote. Então, espera-se que a congregação contemple o sofrimento de Cristo, e isso deve ser expresso musicalmente com meios musicais severos: com um modo severo, geralmente em E, dissonâncias severas, muitos sustenidos etc.

No entanto, existem casos em que o músico não está vinculado a nada e pode improvisar da maneira que quiser, como o caso de antífonas e canto congregacional.



5. Conclusão


Como observado por esta breve pesquisa histórica, desde o começo da liturgia em forma escrita, com o canto gregoriano, passando até o século XVIII, quando a liturgia tradicional da forma como empregada pela Igreja Luterana em seus mais diversos ritos adotou, não há sequer um período em que a execução da liturgia tenha se restringido ao registrado e impresso. Se num primeiro momento o canto Neo-galicano passou sua influência à linha principal do canto gregoriano, levando os cantores a improvisarem suas próprias linhas de canto, nos séculos seguintes, o mesmo passou a ser esperado dos músicos ao tocarem em solo ou em conjunto, nada menos que boa capacidade de improviso melódico, harmônico e contrapuntual.

É observável como o falsobornone na entoação dos salmos, de modo parecido, é técnica básica que baixistas iniciantes já começam a conhecer em tempos modernos, ou como o uso de acordes longos e sem variações de tecladistas nos primeiros níveis de aprendizado hoje, tem uma correspondência na formação das cadências do século XVII. Escalas em riffs de guitarra ou violão de hoje, são ainda aprendidos sob os mesmos conceitos que as diminuições do período barroco. Desta feita, com a devida orientação, mesmo uma banda de igreja onde nenhum de seus músicos seja profissional, em um grau compatível com sua técnica, pode criar sua própria execução da liturgia.

A liturgia é algo vivo! Ser tradicional significa, acima de tudo, construir sempre o novo sobre uma base estável que sobrevive às eras.

Com isto, conclui-se que executar a liturgia da forma como é transcrita, significa apenas metade do trabalho. Esta foi forjada da criatividade do espírito humano, e toda a criatividade seguida da devida técnica, eleva a liturgia para a sua forma desejada.


[1] Plainchant.": (ii) The origins of Gregorian chant. Grove Music Online. 23 Jan. 2018


[2] 1. Musica enchiriadis. Scolica enchiriadis. Boethius, De institutione musica. Martianus Capella, De nuptiis Philologiae et Mercurii (liber IX, am Schluss unvollständig) - Staatsbibliothek Bamberg Msc.Class.9 [link]; 2. Scolica enchiriadis de arte musica u.a. musiktheoretische Texte - Staatsbibliothek Bamberg Msc.Var.1 [link].


[3]  "Notation": III. History of Western notation, 1. P.lainchant, (iv) Early notations, (h) Significative letters. Grove Music Online. Retrieved 3 Feb. 2018


[4] François de La Feillée, Méthode nouvelle pour apprendre parfaitement les règles du plain chant (Paris, 1760) [link]. For further reading about the Neo-Gallican chant, in particular focus on rhythm, see the recent article by Christopher Holman, Rhythm and Metre in French Classical Plainchant. (Early Music, cax087 [link]


[5] A récita dos falsobordoni de Rufo, Vincenzo Ruffo, Falsi Bordoni (Venice, 1575). The notation using a one single note (typically a Brevis or a Longa) is most common, but there are also different ways. Sua récita é profundamente semelhante à estruturada nas formas litúrgicas usadas até hoje pela Igreja Luterana.


[6] O termo diminuição refere-se ao fato de que os valores das notas, que geralmente são grandes no início, são diminuídos, ficando menores e mais rápidos.


[7] See Bonnie J. Blackburn & Edward E. Lowinsky, “Luigi Zenobi and his letter on the perfect musician”, in Studi musicali, 22 (1993), pp. 61-114 [https://www.academia.edu/15487628/Luigi_Zenobi_and_his_Letter_on_the_Perfect_Musician]. See also in Anne Smith, The performance of 16th-century music (Oxford University Press, 2011), pp. 138-143. 

terça-feira, 28 de maio de 2019

SHEMA



Por milhares de anos, a cada manhã e noite O povo judeu orou estas palavras bem conhecidas, como uma maneira de expressar sua devoção a Deus. Elas são chamadas de "Shema": "Ouve, ó Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é unico. E quanto a você, você deve amar o Senhor teu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força." A primeira palavra do Shema é "ouvir" ou "escutar”. É aí que a oração recebe o seu nome. A audição é uma atividade universal. É geralmente ligada com o ouvido, como em Provérbios capítulo 20:12 "Orelhas que "shema" e olhos que vêem: o Senhor os fez a ambos." Isso parece bastante básico, mas se você olhar para as outras maneiras que autores hebreus podem usar a palavra "shema", eles usam isso para significar mais do que apenas ''deixem que ondas sonoras entrem em seus ouvidos." Em hebraico shema também pode significar "Prestar atenção a" ou "focar". Então, quando Lia, que não era amada por seu marido Jacó, tem um filho e ela o nomeia Simeão ou, em hebraico, "Shimohn" porque, diz ela, "O Senhor "shema" (ouviu) que não sou amada.'' Então shema significa ouvir e prestar atenção. Também pode significar "responder ao que você ouve". É por isso que muitos dos gritos de socorro no Livro dos Salmos começam com uma chamada para que Deus "ouça". Salmo 27: 7 "Shema minha voz quando eu chamo, oh Senhor. Seja misericordioso. Me responda." Então, pedir a Deus para "shema" é, ao mesmo tempo, pedir a Deus para agir; fazer alguma coisa. Então, pedir a Deus para "shema" é, ao mesmo tempo, pedir a Deus para agir; fazer alguma coisa. É semelhante a quando Deus pede às pessoas para ouvir. Como quando o povo de Israel chega ao monte Sinai Deus diz: "Se você me "shema" totalmente e guardardes a minha aliança depois de todas as nações, você será meu tesouro." Agora, há um bocado de coisas interessante sobre este versículo de Êxodo. Em hebraico, a palavra shema é repetida duas vezes nesta frase para dar ênfase. Se você "Shema, Shema", que significa, "Ouça com atenção". Mas também perceber que, do ponto de vista de Deus, ouvir é basicamente o mesmo que manter a Aliança. Mas também perceber que, do ponto de vista de Deus, ouvir é basicamente o mesmo que manter a Aliança. Assim, quando Deus pediu ao povo para "Shema", o que significa é que eles deveriam ouvir e obedecer. Assim, quando Deus pediu ao povo para "Shema", o que significa é que eles deveriam ouvir e obedecer. E essa é a última fascinante coisa sobre o Shema. Em hebraico antigo, não existe uma palavra separada para "obedecer" ou seja, "para realizar os desejos de alguém que sabe melhor do que você ou está em autoridade sobre você." Então, na Bíblia, se você quer dizer, "Vou ouvir e fazer o que você diz," você usa a palavra singular, "Shema". Então, na Bíblia, se você quer dizer, "Vou ouvir e fazer o que você diz," você usa a palavra singular, "Shema". Em hebraico, "ouvir" e "fazer" são dois lados da mesma moeda. É por isso que, mais tarde na história de Israel, quando as pessoas estavam quebrando sua aliança prometida a Deus, os profetas hebreus diriam coisas como: "Eles têm ouvidos, mas não estam ouvindo." Os israelitas podiam ouvir muito bem, mas eles não estavam realmente ouvindo ou então agiriam de forma diferente. E assim, no final, ouvindo na Bíblia é sobre dar respeito aquele que fala com você e fazer o que eles disseram. é sobre dar respeito aquele que fala com você e fazer o que eles disseram. escutar de verdade exige esforço e ação. E essa é a palavra hebraica, "Shema".

sábado, 27 de abril de 2019

Qual o nome de Deus?

"Ouça Israel o SENHOR teu Deus, o único SENHOR"

Por milhares de anos, toda manhã e tarde, o povo judeu ora estas palavras bem conhecidas, como uma maneira de expressar sua devoção a Deus. Elas são chamadas "O SHEMÁ":

 ❝Ouve, Israel, o SENHOR é o nosso Deus, o SENHOR é único. Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.❞ (Deuteronômio 6:4-5) 

"SENHOR" - escrita com todas as letras maiúsculas - é o Nome pessoal do Deus de Israel. Primeiro, nós aprendemos o significado desse nome. Na história de Moisés e da sarça ardente no Livro de Êxodo capítulo 3, Deus aparece a Moisés e o comissiona a libertar os Israelitas da escravidão. E então Moisés imagina: "E se o povo perguntar o Nome do Deus que me enviou?" Deus responde: "Diga a eles que EHYEH me enviou a vocês." Agora, essa palavra hebraica EHYEH significa "EU SEREI",  em outras palavras, o Nome de Deus significa que "ELE É AQUELE QUE É E AQUELE QUE SERÁ". A existência de Deus não depende de ninguém ou de qualquer outra coisa. Esse Deus simplesmente "É". Mas parece meio estranho dizer aos israelitas: "EU SOU me enviou a vocês" - apenas Deus pode dizer: "EU SOU." Então, na próxima frase, Deus diz a Moisés a versão que ele deve dizer em voz alta: ❝YAHWEH, o Deus de nossos pais, me enviou a vocês.❞ Agora esta palavra "YAHWEH" é a forma hebraica antiga do verbo "ELE SERÁ" — e este é o Nome Pessoal do Deus de Israel. Ele aparece 6.500 vezes no Antigo Testamento.

Agora aqui é interessante: Ao longo dos séculos, os israelitas queriam honrar a natureza sagrada deste Nome Divino. Então enquanto eles liam a Bíblia hebraica em voz alta e chegavam neste Nome, eles pararam de dizer "YAHWEH" e em vez disso começavam a dizer a palavra hebraica para "SENHOR" que é "ADONAI". Essa prática tem continuado através dos séculos, e então mais tarde quando começaram a traduzir a Bíblia, eles adotaram a mesma prática. Em vez de soletrar o Nome Divino, eles o traduziram como "SENHOR", escrito todo com letras maiúsculas. 

Os antigos escribas judeus queriam prevenir qualquer pessoa de até mesmo de dizer esse Nome acidentalmente em voz alta quando liam a Bíblia hebraica. E então eles vieram com um conselho visual para lembrar a você a se assegurar a dizer "ADONAI". Eles pegaram as quatro consoantes do Nome Divino, essas letras correspondem às nossas letras: Y - H - W - H. Depois, eles inseriram as quatro vogais da palavra "ADONAI", e as combinaram juntas para criar um palavra artificial híbrida, que se você fosse pronunciá-la, você diria "YAHOWAH". Mas nenhum israelita nunca disse "YAHOWAH". É apenas um lembrete visual para dizer a palavra "ADONAI". 

Agora isso fica mais interessante. Muito mais tarde, os escribas cristãos que não sabiam que "YAHOWAH" era uma palavra artificial, e então eles começaram a dizê-la em voz alta e a soletrá-la em suas escritas. Essa é a palavra que eventualmente entrou para o português como "JEOVÁ", palavra que muitas pessoas ainda usam hoje. Mas o principal é que a palavra "SENHOR", com todas as letras maiúsculas, é uma indicação do Nome Divino. Não a confunda com a palavra "Senhor" em nossas traduções. Essas não são todas com letras maiúsculas. Essa é a real palavra hebraica "ADON", que simplesmente significa "Senhor" ou "Mestre". Essa palavra pode referir-se a pessoas como reis, ou a um mestre de um servo, e até mesmo a pastores de ovelhas, e algumas vezes os escritores bíblicos usarão essa palavra para se referir a Deus como nas frases: ❝O Senhor de toda a terra❞; (Salmo 97:5) ❝Senhor dos senhores❞. (Deuteronômio 10:17) Mas por trás de todas essas palavras: JEOVÁ, SENHOR, ADONAI, subentendem-se o Nome Divino original do Deus de Israel. Ela se refere ÀQUELE QUE ERA, QUE É E QUE PARA SEMPRE SERÁ.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

O que é santidade?


Você provavelmente já ouviu a palavra "santo" alguma vez ou pelo menos a cantou uma vez ou outra numa música da Igreja. E pra maioria das pessoas, essa ideia só está relacionada a ser uma pessoa moralmente boa... Então, Deus é "santo", porque Ele é moralmente perfeito. Sim, mas isso é uma parte, a ideia de "santidade" é maior e ainda mais rica. Na verdade, ela descreve como Deus é a força criativa por trás de todo o universo. Ele é o único ser com o poder de fazer um mundo cheio de beleza e vida. E todas essa habilidades fazem Deus ser completamente único, o que é o significado da palavra "santo" .

Então, um caminho que ajuda a pensar a santidade de Deus é usar o sol como metáfora. O sol é único - pelo menos no nosso sistema solar, e ele é muito poderoso. Ele é a fonte de toda essa beleza e vida do nosso planeta. Então, você pode dizer que o sol é '"santo". E você pode ir ainda mais longe com essa metáfora considerando que toda a área ao redor do sol também é "santa". Sim, porque quanto mais perto você chega do sol, mais intenso ele fica. Então, aquele mesmo poder e bondade que cria vida, é também perigoso. Quer dizer, se você chegar muito perto do sol, ele te aniquila. E da mesma foma, existe esse paradoxo no centro da santidade de Deus. Porque se você estiver impuro, a presença dEle é perigosa pra você não porque ela é má, mas porque é muito boa. 

Então, a primeira vez que vemos o paradoxo da santidade de Deus é na história de Moisés e a sarça ardente. Deus fala pra Moisés tirar as sandálias, porque ele está pisando em um lugar santo. E Moisés cobre o rosto com medo, e Deus diz: "Ei, não se aproxime". É intenso! É exatamente essa intensidade da santidade de Deus que é explorada ainda mais nas histórias do templo de Israel, que foi o principal lugar onde se podia encontrar a santa presença de Deus. No centro do templo havia um cômodo chamado "Santo dos Santos", que era o ponto de acesso à presença de Deus, e seja você um israelita morando ao redor do templo ou um sacerdote trabalhando no templo, você está próximo da santa presença de Deus. o que é perigoso. Sim, isso é um problema. Então, como isso devia funcionar? Bem, na Bíblia a solução é que você precisa se tornar "puro". Moralmente puro? A Bíblia passa muito tempo falando de outro tipo de pureza ser ritualmente puro, o que é um estado onde você se distancia de qualquer coisa relacionada à morte como tocar em coisas como pele enferma, cadáveres ou até mesmo certos fluidos corporais - tudo isto te faz impuro. E se tornar ritualmente impuro não é necessariamente pecado. O que é errado é entrar na presença de Deus enquanto se está num estado impuro. E é por isso que Deus deu aos israelitas instruções bem claras para que soubessem quando eles estavam impuros... passos para tornarem-se puros, para que eles pudessem ir ao templo novamente. Então, é sobre isso que o livro de Levítico é. 

Mais tarde nas escrituras, nós achamos essa história realmente interessante escrita por um profeta chamado Isaías. Ele tem uma visão em que ele está no templo, bem diante da presença de Deus. E ele está totalmente apavorado! Ele sabe as regras. Ele não deveria estar ali. E ele fica preocupado pela possibilidade de ser destruído. E aí existe um ser chamado de Serafim. Ele voa com uma brasa quente e cauteriza os lábios de Isaías com a brasa e diz algo muito estranho... "Sua culpa foi removida e seus pecados foram perdoados". Então, essa brasa em chamas, de algum jeito, deixa Isaías puro. Sim, é extraordinário porque, normalmente, se você toca algo impuro aquilo te transfere a impureza. Mas agora temos essa nova ideia, onde você tem essa brasa, este objeto santíssimo e puro, e isto toca Isaías e transfere pureza a ele. Isaías não é destruído pela santidade de Deus, ele é transformado por ela. As implicações disso são enormes. 

Há mais uma ideia, desta vez com um outro profeta: Ezequiel. Ele teve uma visão onde ele está na frente do templo e ele vê água correndo de dentro dele. Esta água vira um riacho, e então começa a se tornar num rio profundo que começa a fluir pelo deserto deixando uma trilha de árvores verdes atrás dele. E ele flui até o Mar Morto, tornando tudo fresco e vivo. Então, ao invés de se tornar puro primeiro e depois ir ao templo aqui a santidade de Deus sai do templo, tornando as coisas puras e trazendo vida. O que tudo isso significa? A gente não sabe. Até conhecermos esse homem: Jesus.

Ele afirma estar cumprindo todas essas visões antigas mas de maneira nova e surpreendente. Então Jesus sai por aí tocando as pessoas que eram impuras, pessoas com doenças de pele, uma mulher com hemorragia crônica ou pessoas mortas, e quando ele as toca, suas impurezas deviam ser transferidas a Jesus, mas ao invés disso, a pureza de Jesus era transferida a elas e na verdade curava seus corpos. Jesus é aquela brasa santa da visão de Isaías. Sim. E Jesus afirma que ele é a encarnação humana da própria santidade de Deus e que ele e os seus seguidores seriam agora o templo de Deus para que por meio deles a presença santa de Deus invadiria o mundo e traria vida, cura e esperança. É por isso que Jesus descreveu seus seguidores como tendo rios de água viva fluindo deles. 

Então essa é a nossa parte da história, onde nos encontramos agora. Mas para onde tudo isso nos leva? As últimas páginas da Bíblia terminam com uma visão final da santidade de Deus Dessa vez, através de João. Na visão dele, vemos o mundo inteiro completamente renovado. Toda a terra se tornou o templo de Deus. E o rio da visão de Ezequiel está lá, fluindo da presença de Deus, imergindo toda a criação, removendo toda a impureza e trazendo tudo de volta à vida.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Blasfêmia contra o Espírito Santo


Trigésima oitava preleção

(23,10,1885)

Muitos ministros, e não os piores, imaginam que realizaram muito ou até acham que alcançaram seu objetivo quando conseguiram despertar seus ouvintes de sua segurança carnal e os levaram a desesperar e ficar em dúvida quanto ao seu estado de graça e sua salvação. E de fato, é necessário que toda pessoa, para ser salva, precisa ser arrancada de sua falsa segurança, de seu falso conforto, da falsa Paz e de suas falsas esperanças. Ela precisa ser levada ao desespero pela salvação e por causa de sua condição presente. Mas isso é meramente um estágio preparatório pelo qual precisa passar; não é o assunto de maior importância nem o principal objetivo a ser alcançado. O principal é que obtenha completa segurança e certeza de seu estado de graça e salvação, para que possa exultar por seus pecados terem sido perdoados. Não pode haver dúvida de que este deve ser o principal objetivo de um ministro evangélico. Pois, o ministro precisa pregar o Evangelho aqueles que lhe foram confiados. Ele deve leva-los a fé em Cristo, batiza-los e administrar-lhes a absolvição e a Santa Ceia. No entanto, pregar o Evangelho nada mais significa do que proclamar as pessoas que elas foram completamente reconciliadas com Deus através de Cristo. Viver a fé genuína nada mais significa do que a divina certeza de que se tem o perdão dos pecados e de que os portais dos céus estão abertos. Batizar uma pessoa significa tira-la do mundo dos pecadores perdidos, por ordem, em nome e em lugar de Deus, e dar-lhe a solene certeza de que Deus é gracioso para com ela, de que Deus é seu Pai, e que ela, a pessoa batizada, é filho de Deus. Significa que o Filho de Deus é seu Salvador, que a pessoa batizada é seu filho e já está salva; que o Espirito Santo é seu Consolador e ele é a habitação do Espirito Santo. Administrar a absolvição a uma pessoa significa dizer-lhe, por ordem, em nome e lugar de Cristo: “Teus pecados estão perdoados. ” Administrar-lhe a Santa Ceia significa dizer-lhe em nome de Jesus: “Você também deve participar da grande conquista da redenção. Para confirmar seus direitos nesta redenção, este precioso sinal ou penhor é dado a você, a saber, o corpo e o sangue de Cristo, o resgate com o qual ele comprou o mundo inteiro. Um exame das Escrituras revela o fato de que o objetivo de todos os ministros fieis tem sido treinar seus ouvintes de maneira tal que pudessem declarar-se filhos de Deus e herdeiros da salvação. Quando Cristo disse aos seus discípulos: Alegrai-vos [...] porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc 10.20), ele evidentemente os conclamou a rejubilar na certeza de sua salvação. Paulo escreve aos Coríntios: Vos vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espirito do nosso Deus. (1 Cor 6.11) Pedro escreve aos cristãos que viviam dispersos: Porque estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma. (1 Pe 2.25) João diz aos seus filhos espirituais, incluindo a si mesmo na afirmação: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Mas sabemos que, quando ele aparecer, haveremos de ser semelhantes a ele; porque haveremos de vê-lo assim como ele é. (1 Jo 3.2) Em nenhum lugar nas Sagradas Escrituras encontramos os apóstolos tratando os membros de suas congregações como se estivessem inseguros quanto a sua situação em relação a Deus. O tratamento deles sempre a tal, que se pode ver que eles pressupõem que seus membros, apesar de suas fraquezas e falhas, são amados e queridos filhos de Deus.
As condições são diferentes em nossos dias. Em regra, até mesmo os melhores ministros ficam satisfeitos se tiverem treinado seu povo a vir a eles ocasionalmente para reclamar de que não tem certeza de sua salvação, de que estão com medo que se perderiam se morressem na próxima noite. Uma queixa como essa aflige um ministro verdadeiramente evangélico, cujo objetivo e conseguir fazer com que seus ouvintes professem: “Eu sei que o meu Redentor vive. Eu sei em quem eu tenho crido. ” Mas ministros que não são verdadeiramente evangélicos aceitam essa queixa como evidência de que fizeram bons cristãos de seus ouvintes. Qual é o motivo por que tantos em nossos dias vivem na incerteza se são ou não cristãos verdadeiros? O motivo e que os ministros, em regra, confundem Lei e Evangelho e não prestam atenção a admoestação apostólica: Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. (2 Tm 2.15) porque, quando o Evangelho é pregado com uma mistura de Lei, é impossível o ouvinte se prender a fé no perdão de seus pecados. Por outro lado, quando a Lei é pregada com uma mistura de Evangelho, e impossível que o ouvinte reconheça que é um pobre pecador necessitado do perdão dos pecados.

Em vigésimo lugar, a Palavra de Deus não é aplicada corretamente quando o imperdoável pecado contra o Espirito Santo é descrito como sendo imperdoável devido a sua grandeza.
A descrição atual do pecado imperdoável é uma horrível confusão entre Lei e Evangelho. Apenas a Lei condena o pecado; o Evangelho absolve o pecador de todos os pecados indistintamente. O profeta escreve: Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã. (Isaías 1.18) 0 apostolo Paulo escreve (Rm 5.20): Onde abundou o pecado, superabundou a graça. Por isso, também Lutero canta: ’’ E se os pecados muitos são, / em Deus mais graça temos não tem limites seu perdão, / sempre o receberemos. ” O que diz a Escritura Sagrada a respeito do pecado contra o Espirito Santo? A respeito desse pecado, temos três passagens paralelas nos evangelhos sinópticos, uma passagem na Epístola aos Hebreus e uma em 1 Jo. Essas passagens são o centro da doutrina sobre o pecado contra o Espirito Santo. Mt 12.30-32: Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha. Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, mas a blasfêmia contra o Espirito não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado, mas, se alguém falar contra o Espirito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir. Essa é a passagem principal. Ela constata, em primeiro lugar, que toda blasfêmia contra o Pai e o Filho será perdoada; apenas a blasfêmia contra o Espirito Santo não será perdoada. Agora, uma coisa é certa: O Espirito Santo não é uma pessoa mais gloriosa ou mais exaltada do que o Pai e o Filho; ele é co-igual a eles. Logo, essa passagem não pode estar indicando que o pecado imperdoável é blasfêmia contra a pessoa do Espirito Santo; porque então em nada seria diferente da blasfêmia contra o Pai e o Filho. A blasfêmia da qual o nosso texto fala é dirigida contra o oficio, ou a operação do Espirito Santo. Quem despreza a obra do Espirito Santo está perdido; esse pecado não lhe será perdoado. O oficio do Espirito Santo consiste em chamar os homens para Cristo e conserva-los junto a ele.
O texto menciona, particularmente, que a pessoa que comete esse pecado “fala contra o Espirito Santo”. Isso mostra que o pecado em questão não é cometido quando se tem pensamentos blasfemos no coração. Não raras vezes, cristãos imaginam que incorreram nesse pecado, quando são sobressaltados por pensamentos horríveis dos quais não conseguem se livrar. Nosso Senhor Jesus Cristo previu isso. E por essa razão, ele nos informou que a blasfêmia contra o Espirito Santo, que não será perdoada, tem que ser proferida ou expressa verbalmente. O diabo atira suas flechas ardentes nos corações dos cristãos fieis, fazendo com que revolvam os pensamentos mais horríveis em seus corações contra seu Pai Celeste e contra o Espirito Santo, no entanto, contra sua vontade. Cristãos sinceros queixaram-se de que, enquanto iam a Santa Ceia, foram molestados com os pensamentos mais horríveis contra o Espirito Santo. Tais pensamentos são coisas do diabo. Quando estou sentado numa sala muito linda com as janelas abertas, e um menino malvado atira sujeira para dentro dessa sala, eu não sou responsável por isso. Em sua sabia providencia, Deus permite que seus filhos amados sejam aborrecidos dia e noite com tais pensamentos. Os melhores pregadores encontraram casos desse tipo entre os membros de suas congregações. Mas esse não é o pecado contra o Espirito Santo, que consiste em blasfêmia pronunciada verbalmente. Tive de tratar espiritualmente de uma menina que até pronunciou pensamentos desse tipo, mas ao mesmo tempo caiu no chão, chorando e suplicando que Deus a libertasse de sua aflição. Ela não conseguiu descansar até se dar conta de que não era ela que estava expressando aqueles pensamentos. Satanás havia tomado conta de seus lábios. E claro, os modernistas, que negam tal poder do diabo, chamam esta explicação de noção supersticiosa. Mc 3.28-30: Em verdade vos digo que tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e as blasfêmias que proferiram. Mas aquele que blasfemar contra o Espirito Santo não tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno. Isto, porque diziam: Estas possesso de um espírito imundo. Aqui está relatada uma blasfêmia contra o Espirito Santo, que, de fato, se concretizou. Quando Cristo expeliu demônios, os fariseus declararam que essa ação do Espirito Santo era uma obra do diabo. Eles estavam convencidos de que se tratava efetivamente de uma obra divina, mas, já que o Senhor censurara sua hipocrisia, foram tomados de ódio mortal contra Cristo, e isto fez que blasfemassem contra o Espirito Santo. Assim, aqui nos é oferecida a seguinte explicação: Afirmar que uma obra do Espirito Santo é obra do diabo, quando se está convencido de que se trata de uma obra de Deus, é blasfêmia contra o Espirito Santo. Não ha cristão que, ocasionalmente, não resista a ação da graça divina e, então, tente persuadir-se de que estava afugentando pensamentos obscuros. Essa doutrina nos adverte de que, se quisermos ser salvos, devemos, de imediato, render-nos a ação do Espirito Santo e não resistir, tão logo a percebamos. Porque a pessoa que resiste, no estágio seguinte dirá: "Isso não procede do Espirito Santo." E o próximo estágio será este: Ele passara a odiar o caminho pelo qual Deus quer conduzi-lo a salvação e, finalmente, blasfemar. Portanto, estejamos em guarda. Vamos abrir a porta ao Espirito Santo quando quer que ele bata e não aceitar o ponto de vista das pessoas do mundo, que consideram essas sensações como sintomas de melancolia. A menos que o Espirito Santo nos leve a fé, nunca chegaremos a ela. Todo aquele que rejeita o Espirito Santo, exclui toda e qualquer possibilidade de ajuda, até mesmo da parte de Deus. Deus deseja que a ordem que ele estabeleceu para a nossa salvação seja conservada. Ele não leva ninguém ao céu a força. Nosso texto refere-se ocasião em que Cristo curou o homem da mão ressequida e expulsou um demônio. Todos tiveram oportunidade de ver que o poder de Deus estava invadindo o reino de Satanás. Mas aqueles infames que assistiram a isso, disseram: "Ah! Jesus esta possesso de Belzebu; é por isto que pode expelir os demônios de categoria inferior." A própria ação que haviam testemunhado, as obras e palavras de Cristo deixavam claro que ele investia contra o diabo e estava destruindo o reino deste. Estava totalmente fora de cogitação imaginar-se que o diabo estaria ajudando Cristo nesta obra.
Lc 12.10: Todo aquele que proferir uma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas, para o que blasfemar contra o Espirito Santo, não haverá perdão. Novamente nos vemos que é essencial que para pecar contra o Espirito Santo, aquela blasfêmia seja verbalizada, e isso consciente e propositalmente. Temos uma afirmação muito importante a respeito deste pecado em Hb 6.4-8: É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espirito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, e impossível outra vez renova-los para arrependimento, visto que, de novo, está crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o a ignorninia. Porque a terra que absorve a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada, recebe benção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto esta da maldição; e o seu fim é ser queimada. O que é característico nesse pecado contra o Espirito Santo e que a pessoa que incorreu nele não pode ser reconduzida ao arrependimento. Isso é simplesmente impossível. Não que Deus coloque o ser humano nesse estado; é o pecador, por sua própria culpa, que ingressa nesse estado de impenitência irrecuperável. Quando essa situação atingiu um determinado grau de intensidade, Deus cessa de agir nessa pessoa. A maldição cai sobre ela, e elimina-se qualquer outra possibilidade de sua salvação. Por que? Porque ela não pode ser levada ao arrependimento. O solo de seu coração foi arruinado e não é mais fertilizado pelo sereno e pela chuva da graça divina. 1 Jo 5.16: Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Ha pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Essa palavra nos traz uma importante informação que, infelizmente, não podemos colocar em pratica. Porque, antes da morte de alguém, não saberemos dizer se ele cometeu pecado contra o Espirito Santo ou não. Mesmo que sua boca profira blasfêmias, não sabemos se o fenômeno não pode ser explicado através de uma possível ação do diabo, ou se ele não age acometido de terrível cegueira espiritual, nem se ele não pode ser levado outra vez ao arrependimento. Nos dias dos apóstolos, os cristãos tinham o dom de discernir os espíritos. Eis o que S. Joao quer dizer nesta passagem: "Tão logo vocês percebam que este ou aquele individuo incorreu nesse pecado, que Deus deixou de ser gracioso para com ele, vocês não devem desejar que Deus volte a ser gracioso para com ele e devem deixar de orar por ele."
Também não podemos dizer a Deus: "Salva aqueles que cometeram o pecado contra o Espirito Santo." Isso tudo pode parecer muito chocante; todavia, encerra um grande consolo. É possível que alguém lhe diga: "Eu sou um homem miserável! Cometi o pecado contra o Espirito Santo. Estou absolutamente certo disso!" É possível que essa pessoa aflita lhe apresente o mal que fez, disse e pensou. Pode ser que as evidencias indiquem que, de fato, ele blasfemou contra o Espirito Santo. Nesse momento, você deve lembrar a arma que Hb 6 apresenta para um caso desses: Este individuo de maneira alguma se alegra com o que está relatando. Isso tudo é simplesmente terrível para ele. Através disso, você pode perceber que Deus, de qualquer forma, começou a operar o arrependimento nele. Tudo o que ele precisa fazer é apegar-se a promessa do Evangelho. Caso você pergunte se ele cometeu todos esses males, intencionalmente, é possível que ele responda de modo
afirmativo, mesmo sem querer. Às vezes, isso acontece. Entretanto, é Satanás quem fala através dele. E se você perguntar se ele preferiria não ter praticado todas essas coisas, ele responderá: "Sim, de fato; tudo isto me traz a mais terrível preocupação." Esse é um sinal evidente de que Deus começou a operar o arrependimento nesse indivíduo. Um caso assim não deve ser tratado levianamente; deve-se mostrar ao que sofre que, no caso de haver nele um princípio de arrependimento, esta é uma prova incontestável de que ele não cometeu o pecado contra o Espirito Santo. De modo geral, ao pregar sobre esse assunto, o pregador deve empenhar-se mais em convencer seus ouvintes de que não cometeram esse pecado do que em alertá-los a que não incorram nele. Para aquele que realmente cometeu esse pecado, de nada adianta a pregação. A todo aquele que lamenta seus pecados e anseia por perdão, deve ser dito que ele é um filho querido de Deus que, todavia, está passando por uma terrível tribulação.
Em At 7.51, nós lemos que Estevão disse aos seus ouvintes: Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vos sempre resistis ao Espirito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vos o fazeis. Aquelas pessoas haviam cometido o pecado contra o Espirito Santo? Não; porque Estevão morreu orando por eles: "Senhor, não lhes imputes este pecado." (v. 60) Isso mostra que, apesar de os judeus terem cometido pecados propositais, eles não haviam cometido o pecado contra o Espirito Santo. De outro modo, o mártir não teria orado por eles. Ele estava pensando, ao orar por eles, que poderia vir uma hora em que eles não resistiriam mais ao Espirito Santo. Ouçamos agora o comentário de Lutero sobre 1 Jo 5.16. Ele escreve (St. L. Ed. IX, p. 1519): "Pelo termo 'pecado para morte' eu entendo heresia que estas pessoas colocaram no lugar da verdade. Se elas não se arrependerem depois da primeira e da segunda admoestações (Tt 3.10), seu pecado e um pecado para a morte. No entanto, podemos enumerar nesta categoria um pecado como o pecado de obstinação e desprezo, como Judas, que havia recebido muitas admoestações, mas por causa de sua obstinada maldade não se podia ajuda-lo. Também Saul, que morreu em seus pecados porque não confiava no Senhor. Mas o mais alto grau de obstinação é encontrado naqueles que insistem em manter e defender seus erros conhecidos."
Esse pecado não é imperdoável por causa de sua magnitude — pois o apostolo, como nós ouvimos, havia declarado claramente: "Onde abundou o pecado, superabundou a graça," mas porque a pessoa que comete este pecado rejeita o único meio pelo qual pode ser levada ao arrependimento, a fé e a firmeza na fé. Lutero aqui se refere a pessoas cujos pecados consistem em que elas defendem obstinadamente, contra seu próprio conhecimento e consciência, um erro que reconheceram como pecado. Lutero continua: "Desse tipo também é o pecado contra o Espirito Santo, ou endurecimento na maldade, lutando contra a conhecida verdade, e impenitência final." Sem dúvida alguma, não é correto considerar impenitência até o fim como o pecado contra o Espirito Santo, conforme faz Lutero; porque neste caso a maioria das pessoas teria cometido esse pecado. No entanto, impenitência final é um aspecto desse pecado. A peculiaridade especial desse pecado é que ele se opõe ao oficio, a operação, do Espirito Santo. Voltando a Lutero: "Ha um outro tipo de pecado que não a para morte. Desse tipo foi o pecado de Paulo, ao qual ele se refere em 1 Tm 1.13, dizendo: '[...] a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.' Paulo havia cometido o terrível pecado de blasfemar e tentar forçar os cristãos a blasfemarem; mas ele estava agindo em total cegueira. Ele não tinha nem ideia de que estava lutando contra Deus. Deste pecado Cristo fala em Mt 12.32, dizendo: 'Se alguém proferir uma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado.' Do mesmo modo o pecado dos homens que crucificaram Cristo não era para morte, porque Pedro diz a eles: 'E agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância.' (At 3.17) E Paulo diz: Porque, se tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da gloria.' (1 Cor 2.8) No entanto, esse pecado é para morte quando e defendido depois de ter sido revelado e reconhecido como pecado, porque resiste graça de Deus, aos meios da graça e ao perdão dos pecados. Onde não há conhecimento do pecado, não há perdão. Pois o perdão do pecado é pregado aqueles que sentem seu pecado e estão procurando a graça de Deus. Mas estas pessoas [que cometeram o pecado contra o Espirito Santo] não estão temerosas por escrúpulos da consciência, nem reconhecem ou sentem seus pecados." Que cada um tome cuidado para não resistir ao Espirito Santo.
Quando um pecado lhe foi revelado e seu próprio coração confirma que é pecado, que a sua boca não negue este fato. Esse pode ainda não ser o pecado contra o Espirito Santo, mas pode ser um passo naquela direção. Ha muitas pessoas que admitem que todos nos pecamos de muitas maneiras, cada dia, no entanto, quando são repreendidas, alegam que nunca fizeram mal nem sequer a uma criança. Com respeito as pessoas que estão aflitas com a possibilidade de ter cometido o pecado: contra o Espirito Santo, deve-se dizer que, se elas realmente o tivessem cometido, não teriam essa aflição, nem se encontrariam nessa terrível situação; teriam, antes, prazer em blasfemar continuamente do Evangelho. Contudo, cristão aflito ainda tem fé, e o Espirito de Deus está agindo neles e, se ele está agindo neles, então não cometeram o pecado contra o Espirito Santo. Uma excelente exposição desse assunto pode ser encontrada na obra latina de Baier, in - Compendio de Teologia Positiva. Diz ele na parte II, cap. III, p. 24: "O mais grave de os pecados atuais, que é denominado pecado contra o Espirito Santo, consiste numa maliciosa e em ataques blasfemos e obstinados a verdade celestial que já era conhecida pelo indivíduo que incorre nesse pecado.

a) A maneira de denominar este pecado assim é derivada do seu objeto, que é o Espirito Santo. O termo 'Espirito Santo' neste lugar e entendido metonimicamente, - quer dizer, a operação que o Espirito Santo faz na conversão das almas humanas pelo ministério da Palavra. Este significado do termo também é encontrado em 2 Cor 3.6. O pecado contra o Espirito Santo, pois, é um pecado que a cometido contra o oficio do ministério do Espirito Santo e contra a verdade celestial que e revelada por este oficio e ministério. [Blasfemar contra o Espirito Santo significa blasfemar contra seu ministério, significa declarar as operações do Espirito Santo operações do diabo, e oferecer resistência ao seu oficio. ] Também chamado de pecado para a morte, essa denominação e derivada do efeito desse pecado, porque ele leva definitivamente morte eterna ou condenação. (1 Jo 5.16) ["Pecado para a morte" não deve ser confundido com "pecado mortal".]

b) A base dessa doutrina encontramos em Mt 12.30ss.; Mc 3.28; Lc 12.10.

c) A doutrina da verdade celestial pode ter sido aprovada com uma concordância de fé divina e por profissão publica, ou então pode ter sido percebida tão claramente que o coração do indivíduo foi convencido e não tinha argumento para se opor a ele. No primeiro caso, o pecado contra o Espirito Santo e cometido por aqueles apóstolos que renunciam e difamam a verdade que haviam, uma vez, conhecido e crido, como o autor de Hebreus descreve no capitulo 6.4ss. A segunda classe pertence os fariseus e escribas, que nunca aprovaram a doutrina de Cristo por profissão, apesar de estarem convictos de sua veracidade em seu coração pela Escritura e pelos milagres de Cristo, e nada mais tinham do que calúnias a dizer contra. [Ha teólogos luteranos que alegam que somente uma pessoa verdadeiramente regenerada pode cometer este pecado contra o Espirito Santo. Mas isso é de longe demais; porque ninguém vai acreditar que os fariseus a quem o Senhor fala desse pecado haviam sido verdadeiramente convertidos em algum tempo anterior. Eles simplesmente cresceram em sua maldade. E verdade, no entanto, que uma pessoa pode cometer este pecado até mesmo depois de sua regeneração, um fato que se deve manter em oposição aos calvinistas. É bem provável que Judas havia crido. Quase não se pode acreditar que o Salvador o tenha chamado enquanto estava sob a ira de Deus. Judas caiu em pecado mais tarde, e Satanás tomou posse não apenas de seu corpo, mas também de sua mente. ]

d) Em outras palavras, a renúncia e os assaltos sobre a doutrina celestial precisam acontecer ekousioos (Intencionalmente), Hb 10.26, de tal maneira que a causa dessa renúncia e agressão é pura e clara maldade. No entanto, aqueles que renunciam a sua fé por ignorância ou medo da morte, não são por isso pecadores contra o Espirito Santo, mas podem obter a remissão do seu pecado. Veja os exemplos de Paulo em 1 Tm 1.13, e de Pedro em Mt 25.70ss. [Quando a palavra de Deus foi apresentada claramente a uma pessoa e é evidente que
ela ficou impressionada, porque está apavorada, começa a tremer e sente que Deus a esta abordando. E chocante ouvir, num caso assim, alguém dizer: (Não, eu não acredito nisso! Eu não acredito! Você está interpretando mal as Escrituras!'] Isso pode não ser o pecado contra o Espirito Santo, mas é um passo naquela direção. Eu digo, um passo naquela direção, porque a pessoa pode reconsiderar seu ato e ser salva. Pedro havia dado três passos em direção ao pecado contra o Espirito Santo; no entanto, ele não agiu por Ódio contra Cristo, mas por medo. Ele esperava ser preso se admitisse que era um dos discípulos de Jesus. Esse medo de Pedro deu ao diabo a oportunidade de derrubar este grande e solido alicerce da Igreja. Mas o Espirito Santo reentrou no coração de Pedro, e Pedro se arrependeu de seu pecado.

e) Nas passagens citadas na letra b), esse pecado é chamado de ‘’falando uma palavra contra o Espirito Santo, ’’ ou ‘’blasfêmia contra o Espirito Santo’’. Assim, a forma que este pecado toma é uma fala aviltante dirigida contra o oficio do Espirito Santo, por exemplo, quando seu ensino e as maravilhosas obras que foram feitas para apoio são atribuídas ao poder e a operação de Satanás, como fizeram os fariseus.

f) Assim, é em sua natureza um pecado de caráter tal, que não pode ser perdoado e nunca é perdoado a ninguém, de acordo com as passagens em Mateus e Marcos, porque, por sua própria natureza, ele bloqueia o caminho ao arrependimento. A razão, no entanto, por que a impenitência final está tão ligada a este pecado é que as pessoas que o cometem diretamente e com toda malicia se opõem aos meios para sua conversão e que Deus, por isso, retira sua graça deles e os entrega a uma mente réproba. Uma pessoa que cometeu o pecado contra o Espirito Santo é condenada, não tanto por causa desse pecado, mas mais por sua falta de fé. A causa geral (causa communis) de sua condenação é a falta de fé; a causa especial (causa singularis) é a maliciosa e constante difamação da verdade.
Não é devido a um decreto absoluto de condenação, conforme ensinam os calvinistas que mantem o erro realmente diabólico de que tais pessoas não podem ser salvas porque Cristo não sofreu nem expiou os pecados delas nem as redimiu." Ha uma opinião atual de que certo Spiera havia cometido o pecado contra o Espirito Santo. Ele havia chegado a conhecer a verdade evangélica, mas a renunciou duas vezes, a segunda vez sob juramento. Ele entrou num estado mental terrível. Todos podiam ver que ele estava sofrendo os tormentos do inferno. Todas as tentativas de conforta-lo falharam. Paul Vergerius atendeu-lhe em sua enfermidade e lhe ministrou o consolo do Evangelho. No entanto, todos os nossos teólogos mantem a certeza de que Spiera não cometeu o pecado contra o Espirito Santo, porque ele condenou o pecado e estava convencido de que merecia a condenação eterna. Seu pecado foi desespero pela misericórdia de Deus. Além do mais, a razão pela qual Spiera renunciou a verdade foi que temia ser queimado pelos romanistas. O relato de Quenstedt sobre Spiera é citado no Compendia de Baier, Parte II, p. 328. O caso de Spiera é uma advertência solene e importante para todos os tempos. Forneceu a Vergerius o impulso final para desistir do papado, quando ele viu a agonia infernal que uma pessoa que renuncia a verdade evangélica tinha de sofrer.

Por Carl Ferdinand Wilhelm Walther, A correta distinção entre Lei e Evangelho, Pag: 339-346.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Quinta reflexão na Quaresma: Se tua doce voz não quiz ouvir.



Assim como na ultima reflexão na quaresma, esta nos leva a continuar a refletir sobre o mal cometido voluntariamente, especiamente contra Deus.

Por muitas vezes o grande problema do ser humano é este: querer a todo custo fugir do sofrimento. Somos o tempo todo levados a procurar alívio rápido para todo tipo de sofrer. Qualquer incômodo físico e a solução está sempre à mão, ou no máximo em uma farmácia próxima. Para o sofrimento da sobrecarga de obrigações, a solução está num final de semana que sempre esperamos. Para um amor que termina, outro começa. Para um sentimento ruim, palavras de encorajamento, amigos, ou até os livros de auto-ajuda.
Tudo parece ter aquela resposta rápida e pronta: Seus problemas se acabaram! Pare de Sofrer!

Ouvir a voz de Deus, por outro lado nos leva ao oposto: às vezes ela vem suave e nos envolve maravilhosamente com o evangelho. Mas também ela vem áspera, forte como um trovão que nos assusta, puro anúncio de sua implacável lei.

De fato, não posso falar em sofrimento se minha vontade coincide com a de Deus perfeitamente. Sempre que quero o mesmo que Deus quer, não há sofrimento algum.

O problema é que, como cristãos neste mundo, somos chamados a carregar uma cruz, e isto é sofrer.
Sempre que a vontade de Deus aponta em uma direção e a minha vontade em outra levemente diferente, temos o dilema: alívio rápido de satisfazer a minha vontade, ou caminhar para o sofrimento de fazer algo que, no meu íntimo, não gostaria, e até poderia evitar.

Como é difícil sofrer! Mais difícil ainda é escolher sofrer sabendo que a saída está sempre ao alcance!
É uma bonita reflexão quando isto fica apenas naquele campo de idéias abstratas, mas algo apavorante quando se olha para o viver diário.

São Paulo, o Apóstolo em sua última viagem missionária caminhava para sua morte. De cidade em cidade, homens o avisavam da parte de Deus de que ele teria um destino amargo ao chegar em Jerusalém, ainda assim, cidade após cidade ele confirmava iria percorrer todas as cidades, e já ia se despedindo das igrejas por onde passava, avisando que não o veriam mais.

Lutero também dizia que o diabo é o melhor professor de teologia que há, justamente por nos tentar a dar as costas à voz de Deus.
Então temos apenas duas saídas na tentação: santificar o nome de Deus, e isto significa escolher sofrer, ou aliviar a dor.

É neste ponto que a voz de Deus vem como um trovão da lei, incendeia os montes e faz a terra tremer: cada tentação que já caí na vida, e, agora me lembro de muitas, é um lembrete: Não quiz ouvir!
Cada palavra inoportuna que disse, cada desejo impuro, cada vez que me coloquei em lugares escorregadios.

Ah! Diz a consciência: “mas a carne é fraca!”
Sim! Diz o Espírito, mas o espírito, não!

Então se agi mal, o fiz exclusivamente por não querer ouvir a voz de Deus. Se não a ouví, é porque não meditei em sua Palavra o suficiente. E assim, um abismo chama a outro abismo...
A grande dádiva da quaresma, não é apenas sentir a miséria da lei. A dádiva verdadeira é nos lembrarmos o quanto somos fracos. É por esta lei implacável que sei que preciso do evangelho!

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; Mateus 5:3

É justamente porque minha alma deseja um alívio ao sofrimento, justamente porque sei que não posso me redimir de quem sou, é que posso confiar nos méritos infindáveis de Cristo.
É justamente porque em vários momentos eu não quiz ouvir a voz de Deus, é que sei que não poderia nunca ser justo por mim mesmo. Por isto eu clamo a Cristo, minha justiça e perfeição!
A quaresma nos lembra: somos culpados, mas a mensagem não pode parar ai. Ela continua: O que fazer com a culpa?

Caminhamos, de cabeça erguida, plenamente perdoados por Deus até mesmo da terrível culpa de tamparmos os ouvidos e escolher não sofrer. Um dia, poderemos dizer, como Santa Maria cantou: “Minha alma engrandece ao Senhor, meu espírito se regozija em Deus, meu Salvador”

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Imaculada Purificação de Maria


Lutero certamente não via Maria como uma mulher qualquer, suas citações sobre ela são bem difundidas na internet, especialmente por sites católicos querendo mostrar que o que foi pregado nos tempos da reforma não é o que vemos hoje no grosso do protestantismo. Talvez esta visão de Lutero com uma mariologia elevada seja uma surpresa para estes novos ramos que tem surgido, embora de modo algum um choque para nós. 

Um ponto que costuma gerar questionamentos, estretanto é como ele entendia a santidade de Maria, já que nenhum tratado foi escrito por ele especificamente sobre a questão. Mas podemos ver claramente a visão deste que para nós foi o principal reformador através de seus abundantes escritos. 
Lutero tinha uma visão bem elevada sobre Maria, algo bem distante do que podemos ver no protestantismo moderno. Talvez o que mais surpreeenda nisto é que em 1522 ele já tinha escrito: 

"Ela é cheia de graça (voll Gnaden), proclamada para ser inteiramente sem pecado, algo muito grande. Pois a graça de Deus a preencheu com tudo de bom, de modo que ela fosse desprovida de todo o mal." 

Em um sermão pregado em 1527, no dia da concepção da Mãe de Deus, assim diz um trecho de seu sermão: 

“É uma crença doce e piedosa que a infusão da alma de Maria foi efetuada sem pecado original, de modo que mesmo na infusão de sua alma, ela também foi purificada do pecado original e adornada com os dons de Deus, recebendo uma alma pura infundida por Deus; assim, desde o primeiro momento em que ela começou a viver ela estava livre de todo pecado." 

Lutero expressa até 1530 uma mariologia que aponta para seu nascimento imaculado, isto é, não apenas purificada, mas totalmente livre da concupcência ( segundo Santo Agostinho é a concupcência que transmite o pecado original). Isto implica dizer que ele cria a confessava que o momento da infusão da alma quando Maria ainda estava no ventre já foi feito de modo que ela nascesse perteitamente livre da inclinação para o mal, da desordem. 

A partir de 1530 começamos a ver Lutero amadurecendo a Theologia Crucis, e seu foco cristocêntrico estrito. Com isto, Lutero começa a rever o conceito da imaculada conceição, e , num momento mais maduro de sua caminhada, entende que não deve haver purificação completa sem Cristo, nisto, vemos uma retratação da posição assumida anteriormente, Lutero então defende a tese da imacula purificação de Maria. Ao invés de longos tratados sobre o assunto, Lutero novamente muda a ênfase da mãe para o Messias. Ao invés de discutir a impecabilidade de Maria, ele insistiu que a impecabilidade de Cristo deveu-se inteiramente à obra milagrosa do Espírito Santo durante a concepção. Em 1532 ele pregou: 

"Mãe Maria, como nós, nasceu em pecado de pais pecadores, mas o Espírito Santo a cobriu, santificando e purificando-a para que esta criança nascesse de carne e sangue, mas não com carne e sangue do pecado. O Espírito Santo permitiu à Virgem Maria continuar a ser um verdadeiro ser humano, natural de carne e sangue, assim como nós. No entanto, ele repeliu o pecado de sua carne e sangue para que ela se tornasse a mãe de uma criança pura, não envenenada pelo pecado como nós somos ... Pois, nesse momento em que ela concebeu, ela era uma santa mãe cheia do Espírito Santo e seu fruto é um fruto puro e santo, ao mesmo tempo Deus e verdadeiro homem, em uma só pessoa." Martin Luther, Sermões de Martin Luther, Vol. 3, ed. John Nicholas Lenker. (Grand Rapids: Baker Books, 1996), 291. 

De mesmo modo, na disputa de Lutero sobre a Divindade e a Humanidade de Cristo em 1540, ele afirma: 

Destaco a [premissa] maior: toda pessoa está sujeita aos vícios do pecado original exceto Cristo. Toda pessoa que não é Deus em pessoa, como Cristo, tem concupiscênica; mas o homem Cristo não a tem, porque é Deus em pessoa, e na concepção toda a carne e sangue de Maria foram purificados,de sorte que não restou nenhum pecado. Pois diz bem Isaías [53.9]: "Não se encontrou dolo algum em sua boca." Por outro lado, toda descendência foi viciada, exceto Maria. (Obras Selecionanas vol 2 p.288) 

Assim podemos perceber a posição que Lutero adotou: Maria não poderia ter nascido sem a concupcência, pois ela encerra todos os homens e mulheres em sua condição natural. Ela nasceu de ventre comum, logo ela também a herdaria. Por outro lado, também afirma que Cristo não veio de um ventre impuro, nem herdou a concupcência. Como resolver a questão? Maria teve uma dupla purificação, a primeira, em seu nascimento a preparou para receber a segunda e ultima, a purificação final que a livra da concupcência e por fim, torna-se a pura e santa virgem que dará a luz ao Homem-Deus 

De modo surpreendente, Santo Tomás de Aquino já havia considerado uma purificação de Maria no momento da concepão de Cristo cerca de 300 anos antes: 

Por isso parece melhor pensarmos que, a santificação no ventre materno não isentou a Santa Virgem da concupiscência, na sua essência, mas os seus efeitos ficaram paralisados. (...) Mas, depois, na concepção mesma da carne de Cristo, quando primeiramente devia refulgir a imunidade do pecado, devemos crer que do filho redundou ela para a mãe, ficando então totalmente eliminada a inclinação para o pecado. E já isso estava figurado na Escritura, quando diz: Eis que entrava a glória do Deus de Israel pela banda do oriente, isto é, por meio da Santa Virgem; e a terra estava resplandecente pela presença da sua majestade, isto é de Cristo. (Suma Teologica, pars tertia, Q. 27, art 3) 

Ao contrário de romper com o pensamento cristão até sua época, o que vemos é Lutero seguindo uma linha do escolasticismo ensinado por Santo Tomás de Aquino. Podemos então dizer que Lutero se rebelava contra um dogma de fé católica que é a imaculada conceição de Maria, definido em sua extensão exata apenas em 1854 por Pio IX? 

Em certo sentido sim, se considerarmos que o dogma católico define o momento da graça especial de Deus tenha sido o momento da concepção de Maria, mas, se considerarmos a remoção do pecado original, o que é a essência do pensamento Tomista-Luterano, então ele não negou o dogma. 

Lutero nunca acreditou que o ato divino tivesse ocorrido na concepção de Maria, pois cria que este teria ocorrido em sua animação (o recebimento da alma), o que ele distinguia da concepção (como a maioria dos escolásticos, incluso Santo Tomás o faziam também). O que mudou foi simplesmente o tempo da ação divina, que passa da animação para a concepção de Cristo. 

O que permance então é sua visão que Maria, por uma ato extraordinário de Deus, foi liberda do pecado original e do pecado atual também. Este pensamento, até onde se possa levar é extremamente católico! 

Considerando tudo, devemos pensar na posição de Lutero a Imaculada Purificação de Maria não como sendo idêntica à posição católica (que se tornou dogma apenas séculos depois de sua morte), nem mesmo idêntica a como o protestantismo mundo a fora tem também atribuído.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O Exorcismo de Lutero



Tarde da noite, em um mosteiro afastado de tudo, ao fim de um longo corredor escuro podia-se ouvir a voz de um homem gritando, ele se dirigia ao diabo! Ele se debatia enquanto recitava em voz alta passagens da Bíblia afim de manter o mal longe de si, afim de afirmar em alta voz a sua fé e sua pertença a Deus: 

Como ele repelia os demônios: 

“tendo invocado o nome de Cristo, pus-me a bater nele, e parece-me que, de fato, bati. Ao ouvir o nome de Cristo, logo esse grande (demônio) desapareceu com todos os seus demônios.(...) Salmodiava contra ele, e tudo desaparecia. Muitas vezes seus golpes me feriram, e eu dizia: ‘Nada me separará do amor de Cristo’ (Rm 8, 35).” 

Parece uma boa trama para um filme de terror, mas é apenas o viver diário de um homem conhecido da história do Cristianismo. 

Lutero travava uma luta diária, muitas vezes pensavam ser ele um louco de ficar gritando palavras sozinho em seu quarto no mosteiro, atribuiam a isto uma instabilidade mental. 

Mas longe de ser isto, o que acontecia realmente não era um homem atormentado por sua mente, mas por seus demônios. Sua luta contra o diabo o levava a recitar as escrituras em alta voz, isto se projetou em sua teologia de tal modo que não se vê sombra de uma teologia de sofrimento ou martírio, mas todo o seu cerne está na firme convicção de que em Cristo não havia temor. Seu mais famoso hino, Castelo Forte, é um testemunho de como ele confiava de modo inabalável. Toda a sua teologia se mostra profundamente sacramental. Nenhuma experiência humana pode ser posta acima das escrituras, e pelas Escrituras, a participação nos sacrametos tem um efeito muito objetivo: um livra do mal, o outro, também! 

Assim Lutero lutou contra o diabo em seus dias, ele buscou refúgio na Palavra, e afastava a dúvida com os sacramentos. 

Seria ele um desequilibrado? Não podemos fazer um diagnóstico com séculos de distância, mas uma coisa sabemos com certeza: diante do ataque do maligno em suas noites no mosteiro, ele sabia bem em quem ter esperança, e isto sempre foi muito claro para ele, porque pela Palavra, ele sabia “nada me separará do amor de Cristo” 

É interessante ver como esta luta diária dele é vista por alguns “apologistas” como uma prova de que ele era um desequilibrado, gritar a palavra de Deus em voz alta no meio da noite como um meio irrefutável de sua desordem mental e fazer disto um motivo para invalidar sua teologia, esquecendo-se, convenientemente, dos santos antes dele que passaram exatamente pela mesma experiência, e são vistos como heróis da fé. Esta citação mesmo, apesar de que poderia ter vindo do próprio Lutero, é apenas um relato da vida de Santo Antão, um dos mais respeitosos pais da igreja cristã (Vida e Conduta de Santo Antão, col. Patrística vol 18, p. 183)