sábado, 29 de dezembro de 2018

C.S.Lewis - Se Deus é bom, então porque sofremos?



Bom, este texto não é um texto de Lewis, evidentemente, mas não pude deixar de sintetizar a visão deste grande teólogo sobre o motivo de sofrermos se Deus é absolutamente bom.
Apesar de sua obra mais conhecida ser o conto infanto-juvenil " As crônicas de Nárnia", este comentário é uma breve síntese de seu pensamento segundo outra obra sua - "O Problema do sofrimento" de 1940.




Começamos com um jogo que todos conhecem: um futebol entre amigos. Neste jogo, evidentemente haverá regras. Mas, dada à informalidade, podemos modificar algumas coisas. 

Um jogador faz o outro tropeçar, deveria haver uma penalidade, mas neste caso, anulamos esta regra, afinal, são todo amigos. Um pedido de desculpas e o jogo segue. Desta vez, a bola já estava na área do gol e acaba saindo do campo. Não há problemas, simplesmente pegamos a bola no meio do mato e o jogo segue sem interrupções. É perfeitamente possível que se jogue desta forma, entretanto chegamos a um ponto de descontentamento. O tropeção, a perda da bola para fora do campo geram o descontentamento por parte do outro time que poderia lograr alguma vantagem, ainda que este possa ser compensado numa eventual situação de jogo semelhante. 

Então modificamos as regras deste jogo: cada movimento irregular simplesmente é sinalizado, a bola volta ao ponto em que deveria estar e o jogo continua como se a falta nunca tivesse acontecido. Então geramos outro problema: todas as escolhas erradas são retrocedidas e forçamos a atitude certa a acontecer, neste ponto chegamos não a tornar as regras mais flexíveis para os amigos aproveitarem mais o esporte, mas as tornamos tão rígidas que eliminam a possibilidade do erro, e com isto, de um jogo de competição, já que toda vitória depende também da derrota do time contrário, que errou em sua estratégia. Isto resulta também em descontentamento. 

Então partimos ao terceiro modelo: as regras são definidas antes do jogo começar, sejam as oficiais, sejam regras complementares como sobre quem deve ir buscar a bola que cair no vizinho. Estas regras são fixas e não mudarão ao longo do jogo. Temos novamente pessoas descontentes com o jogo porque as regras não deram o favorecimento que queriam. 

Podemos entender, portanto, que não importa o arranjo de regras, elas sempre terminam em descontentamento, o senso de injustiça, o sofrimento. 
No modelo da criação divina, vemos este tipo usado por último no jogo de futebol: as regras são fixas e definidas antes da grande partida cósmica começar. 

Neste sentido, Deus cria o homem, não para que discutisse as regras com ele, mas para que, sob estas regras, ele vivesse. Então, como pode o ser humano viver sem sofrer, se o descontentamento ocorre em qualquer arranjo de regras? 
Deus fez o homem dotado de vontade, a ela chamamos livre-arbítrio. Alguns argumentarão dizendo que o arbítrio em si mesmo não pode ser livre, mas a vontade é que pode, não me deterei aqui neste ponto, simplesmente usando o nome historicamente reconhecido de “livre-arbítrio” como usado em toda a história da igreja. 

O ponto relevante é: não há descontentamento, ou mesmo dor alguma se a vontade de Deus coincide exatamente com a vontade humana. Em outros termos, se Deus quer que eu faça uma viagem para a praia, e isto corresponte exatamente ao que eu desejo no momento, não há nisto qualquer descontentamento ou dor. 

A dor começa justamente quando o homem se questiona se está fazendo a sua vontade, ou a de Deus. Quando a vontade humana não coincide com a vontade divina, começa o drama humano da morte e do sofrimento. 


Como era no Éden
Com isto vemos que o sofrimento é inevitável. O homem decaído tem uma sombra em si mesmo do que seja o bem, suas leis e seus desejos morais são de bem, mas como uma imagem borrada, não podem definir exatamente o que seja este bem que se busca. Um exemplo fácil de se atingir é quando se ouve de uma mãe “não quero que meu filho sofra, eu só quero o bem para ele”. Mas pergunte à mesma mãe o que é o bem, e verá que esta busca é algo que nem mesmo ela sabe onde está, apesar de ter em si mesma uma sombra do que seja este bem e sob a qual busca criar seu filho. Portanto, não é arriscado dizer: esta criança sofrerá! De modo semelhante, a mãe, que deseja o bem sem o identificar nitidamente também sofre. Esta dor da alma não pode ser aplacada sem que o desejo humano seja exatamente coincidente com a vontade divina. Quando a vontade da alma está então toda alinhada com a lei pela qual o universo é criado, então não há dor. O desejo humano se torna exatamente que tudo seja aquilo que já é, e portanto, há contentamento pleno. Não há senso de injustiça. 

Vemos nisto que a alegria do Éden não era um estado diferente por causa de Deus ou sua lei, mas por causa do homem que desejava conforme o que Deus também desejava, e nisto, não via falta de nada. Uma repetição deste estado veremos novamente no fim dos tempos, quando a promessa do evangelho é de um estado de contentamento e justiça sem fim. Neste dia, enfim, estaremos vivendo ainda que sob leis fixas da obra divina, sem rastro de sofrimento ou dor. Dizer que estas coisas já serão passadas equivale dizer que a dicotomia entre a vontade humana e a divina, finalmente estarão superadas. O homem desejará em perfeito acordo com seu criador, pela rendição de sua vontade. 


Como é hoje:
Este pensamento nos leva a refletir sobre o atual momento de nossa encarnação. Sabedores que somos do bem existente em Deus, como o bem absoluto e de que nossas vontades estão em descompasso. Sabemos que somos capazes de desejar boas coisas, mas ao mesmo tempo, nossa inclinação é má e por isto sofremos. O sofrimento é o fruto do apego às nossas vontades em desacordo com a vontade de Deus. Então, como deve-se buscar viver? 

Neste ponto, podemos fazer a distinção entre o sofrimento necessário e o sofrimento voluntário. 


O Sofrimento Necessário
O sofrimento necessário não é outro senão o que nos torna dignos do amor.  Para este caso, pensemos no exemplo de uma pessoa que toma para si um filhote de cachorro. Este é travesso, sujas suas patas na terra, corre para dentro da casa, sobe na mesa e derruba a comida sobre as cadeiras estofadas e morde os sapatos lustrados. Então, a famíla percebe a necessidade de educar este filhote. Um cão mais maduro sabe que é amado pela sua família, e dela recebe todo o amor, mas ao jovem filhote, as duras repreensões são alvo de seu sofrimento. Na verdade, este sofrimento imposto e necessário não significa o desamor, mas justamente a tentativa de tornar o rebelde filhote mais digno do amor que lhe é dispensado. Assim também o pai que repreende o filho, o marido que honestamente palpita sobre a aparência de sua esposa. O amor verdadeiro busca o aperfeiçoamento daquele que é amado, de modo a fazer do amado alguem cada vez mais digno. Neste ponto, assim somos nas mãos amorosas de Deus, pequenos rebeldes que precisam de duras repreensões para que sejamos cada vez mais dignos de um amor sem medida. Então a causa do sofrimento é o desacordo entre nossa vontade rebelde e o amor de Deus que quer nos fazer dignos. 


A Mortificação:
O sofrimento voluntário é a mais elevada resposta a este amor. Se temos consciência de que Deus é bom, e, portanto sua vontade é o padrão da bondade e perfeição, e igualmente temos consciência de que nossa vontade perdeu este foco que uma vez já teve no Éden, então naturalmente deve-se concluir que o melhor para que o homem cumpra seu fim último de glorificar a Deus seja o de conformar-se à vontade de Deus. 

Perceba-se que, se Deus deseja que eu escreva este artigo, e eu assim também desejo, então não posso dizer estar conformando a minha vontade à vontade de Deus, não há um segundo caminho o qual seja tentado. Não posso dizer estar subjulgando meu eu. Mas, se a vontade de Deus for uma e a minha vontade for outra, então posso conscientemente abrir mão da realização da minha vontade em reconhecimento da perfeita vontade de Deus. Certamente que isto não vem sem sofrimento. Se quando um bebê batia os pés e gritava para que a minha vontade fosse ouvida e hoje não faço mais isto, é sinal de que até certo ponto o cuidado divino através de meus pais e mestres cuidou de esmagar meu eu, mas ao mesmo tempo, também cresceu a astúcia de cobrir a repressão em uma área com a indulgência em outra. Daí a necessidade de morrer diariamente: por mais que julguemos ter esmagado o "eu" rebelde, vamos sempre descobri-lo vivo. O fato de este processo não poder apresentar-se sem sofrimento é testemunhado pela palavra "mortificação". 

Mortificar a vontade humana não é um conceito exclusivamente cristão, antes disto, está gravado na lei moral que rege a todos os homens. O Asceta indiano mortifica sua carne numa cama de pregos, em Platão, vemos que o exercício da vida é, na verdade a prática da morte (Fédon), os deuses do paganismo morrem para nutrir a vida, em certas vertentes, a auto-flagelação é meio de purificação espiritual. É um evangelho eterno revelado aos homens onde quer que estes tenham buscado: é o próprio nervo da redenção, que a sabedoria disseca em qualquer tempo e em todos os lugares; o conhecimento do qual não se pode escapar. A peculiaridade da fé cristã não é ensinar esta doutrina mas interpretá-la, de várias maneiras, a fim de torná-la tolerável. 

O sacrifício de Cristo é imitado por todos os seus fiéis em maior ou menor grau. Desde os mártires que experimentaram as mais crueis formas de morte até a auto submissão da vontade no viver diário de um simples homem em um lugar remoto. O diálogo da santificação portanto não é sobre deleites das biografias dos santos, mas sobre o sofrer humano unido a Cristo que confia nas promessas evangélicas de perdão, vida e salvação. 

Não se discutirá, portanto no cristianismo bíblico o viver pleno, a vida próspera, mas o sofrer voluntário de se esmagar o “eu” rebelde diariamente. Esta penitência constante acompanha a vida do cristão por todos os dias de sua vida, de modo que o santo, não é aquele que não se suja na lama da vontade humana decaída, mas aquele que vive o lavar regenerador todos os dias enquanto esmaga sua vontade sob o amoroso olhar de Cristo.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Natal - O Grande e Terrível dia do Senhor


*Antes de seguirmos o artigo, como é de hábito, deixo um aviso quando a linguagem usada se torna um pouco mais técnica ou densa.

Temos por hábito pensar em Deus como “um cobertorzinho fofo” como já disse certa vez uma famosa, algo sempre agradável e bonito. Mas esta não era a visão de Deus que se podia esperar.

Em Jó, ele é o que narra diante do quase morto Jó toda a glória e majestade e faz o pobre homem tremer, em Moisés, ele é o dominador que destruiu o Egito e se manifestou cercado de densas e tenebrosas nuvens, com o som de raios e trovões, fazendo o monte arder como uma fornalha e suas bases tremerem, nos salmos, ele é o que deve ser beijado para que não se ire, em Isaías, Ele é o terrível diante do qual o medo da morte é uma mera sombra. No Apocalipse, ele tem os olhos como chamas de fogo e sua boca é como uma espada afiada. Sim, através de toda a Escritura, esta é a visão de Deus: Terrível!

Houve um homem nascido judeu que alegava ser, ou “o filho de”, ou ser “um com”, o Algo que é ao mesmo tempo o terrível assombrador da natureza e o autor da lei moral. É tão chocante que somente duas opiniões sobre esse homem se tomam possíveis: Ou ele foi um lunático do tipo mais abominável, ou, foi, e é, precisamente aquilo que afirmou. Não existe meio termo. Se a primeira hipótese for inaceitável, resta somente a segunda.

E se fizer isso, tudo o mais dito sobre ele torna-se verdadeiro – que seu nascimento e que sua morte, de maneira incompreensível para a mente humana, produziu uma real mudança em nossas relações com o terrível e justo SENHOR. modificando essa relação em nosso benefício.

O cristianismo não é um debate filosófico sobre as origens do universo: mas um evento histórico catastrófico que se seguiu ao longo preparo espiritual da humanidade.

E se Deus se fez carne, como nós somos carne e sofreu, então não se trata de um sistema no qual temos de encaixar o fato embaraçoso do sofrimento. Num certo sentido, este fato do natal abraça, em lugar de resolver, a questão do sofrimento humano, pois este não seria um problema a não ser que, lado a lado com nossa experiência diária deste mundo sofredor, tivéssemos recebido o que julgamos ser uma boa certeza de que a realidade final é justa e plena de amor. E quando chegamos ao último passo, a Encarnação histórica, a segurança é a mais forte de todas.

domingo, 23 de dezembro de 2018

7ª Antífona - Ó Emanuel


Ó Emanuel, nosso rei e Senhor, esperado das nações e seu Salvador, vinde e nos salvai, Ó Senhor nosso Deus 

O Emmanuel, our King and our Lord, the Anointed for the nations and their Savior, Come and save us, O Lord our God. 

Na maioria das religiões, deus é sempre algo distante. Para alguns, ele é um deus inatingível, que fez todas as coisas e deixou toda a obra nas mãos de duses menores e dos humanos para administraram como puderem. Nas tradições orientais, tudo é deus. O problema é que queremos pensar em nós como indivíduos.. outros são deístas como Thommas Jefferson e Benjamin Franklin, grandes homens da historia que viam deus como um relojoeiro, que criou o universo para funcionar perfeitamente, depois se afastou e deixou sua criação seguir seu curso. 

Esta última antífona do advento nos lembra que todas estas ideias estão erradas. A virgem concebeu e deu à luz a um filho, Emanuel, Deus Conosco (Isaías 7:14, Mateus 1:23). Esta criança, Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (isaías 9:6), nunca nos deixou. Muito pelo contrário, ele deixou seu trono e se tornou um de nós. Ele viveu cada dia como todos nós, exceto por não ter pecado. Ele viveu por nós, sofreu por nós, deu sua vida por nós, ressucitou por nós e a nós prometeu moradas eternas. Ele está conosco hoje. Suas palavras no final dos evangelhos “eis que estou convosco todos os dias” se cumpre a cada momento de nosso caminhar rumo aos céus. Não precisamos de um novo profeta para esta geração, não precisamos de um outro anúncio. Jesus, eternamente nosso rei, profeta e sacerdote está presente aqui e sua presença é absolutamente real. Deus Conosco é a antífona que faz todas as anteriores terem sentido. Nos últimos seis dias cristãos se dedicaram a refletir sobre um título messianico a cada dia, mas menhum deles teria sentido se este mesmo Deus não fizesse sua morada em nosso meio. 

Sem força para combater, 
teríamos perdido.
Por nós batalha e irá vencer 
quem Deus tem escolhido.
Quem é vencedor? 
Jesus Redentor,
O próprio Jeová, 
pois outro Deus não há;
triunfará na luta. 
(Castelo Forte, Hinário Luterano, estrofe 2)

sábado, 22 de dezembro de 2018

6ª Antífona - Ó Rei das Nações


Ó Rei das Nações e objeto de seus desejos; Pedra Angular que reunes em ti judeus e gentios; vem salvar o ser humano que no barro da terra formaste 

O Rex gentium, et desideratus earum, lapisque angularis, qui facis utraque unem, veni, et salva hominem, quem de limo formasti. 

Todos querem um herói. Um guerreiro poderoso, forte, um líder que inspire lealdade! Em nossas histórias, mitos e contos, ele é sempre perfeito e traz paz para sua terra com suas lutas. Ah, e claro, este herói é sempre de algum modo relacionado ao local onde vivemos ou ao povo a quem pertencemos. Ele conquista tudo e resolve todas as disputas. 

Existem alguns reis-heróis que chegaram bem perto de fazer tudo isto: Alexandre, o Grande unificou o mundo ocidental; César Augusto repetiu o feito 300 anos depois. Alguns reis de Israel como Davi, salomão e Ezequias foram grandiosos; O egito teve seus Ramsés e Cleópatra. A Inglaterra teve Artur e outros. O problema com todos eles, grandiosos como eles foram, é que todos tiveram o mesmo ponto-fraco: fizeram inimigos. 

Isaías profetizou que o verdadeiro Rei, o Messias, viria para unir as nações (Isaías 2:2-5, 9:6-7, 60). O Messias traz a paz que dura para sempre. Ele prevalecerá onde todos os reis não puderam porque ele é Deus e Ele se entregou por seu povo. Ele une todas as nações porque ele remove o pecado que as dividiu. Ele é a Pedra Angular sobre a qual o seu reino de paz é firmado. 

Nossa antífona o invoca para vir nos salvar. Somos mortais e não podemos nos salvar. Ele é eterno e é a própria porta da salvação. Ele já veio e fez um reino para seu povo. Um reino de sacerdotes para servir uns aos outros. Quando ele vier novamente, Ele removerá a escuridão que nos cerca e moraremos com Ele para sempre.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

5ª Antífona - Ó Oriente


Ó Oriente, esplendor da luz eterna e sol da justiça; vem iluminar quem se encontra nas trevas e à sombra da morte. 

O Oriens, splendor lucis aeternae, et sol justitiae, veni, et illumina sedentis in tenebris, et umbra mortis. 

Pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus, Com que o oriente do alto nos visitou; Para iluminar aos que estão assentados em trevas e na sombra da morte; A fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz. Lucas 1:78,79 

Um dos títulos messiânicos menos comentados no meio protestante é justamente este: Oriente! Que nada mais é que, em termos geográficos, o lado de onde vem a primeira luz do dia. 

No hemisfério norte, onde Cristo nasceu, Dezembro é o mês mais escuro do ano, e hoje, dia 21 de Dezembro é o dia mais escuro do ano para todo o hemisfério. O solstício de inverno ocorre. Nesta data, o amanhecer demora mais e o por do sol vem mais cedo que em qualquer outro dia do ano. De certa forma nos lembra dos tempos escuros em que vivemos, onde o pecado parece circular livremente, o mal parece reinar e a sombra da morte parece pairar sobre todos nós. 

Nesta escuridão, temos uma grande luz. O Sol da Justiça se levanta para nos curar (Malaquias 4:2. Nós podemos ver a sua luz, e isto nos traz esperança. Ele quebra o poder do pecado e da morte sobre nós. A criança que nasceu em Belém é nosso Senhor (isaías 9:2-7). Ele nos conduzirá em paz 

A antífona de hoje invoca a Cristo, nosso Oriente, para brilhar sobre nós em tempos de escuridão, para dissipar a tristeza e trazer alegria, nos lembrando do último dia que em breve virá, quando o Rei virá. Naquele dia, todas as sombras sumirão e ele enxugará toda a lágrima de nossos olhos.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

20/ Dez - Memória de Katharina von Bora


Hoje nos lembramos e damos graças a Deus por Katharina von Bora Luther (1499–1552). Ela foi levada ainda criança para um convento e se tornou freira cisterciense em 1515. Em Abril de 1523, ela e oito outras freiras foram resgatadas do convento e levadas até Wittemberg. Lá, o bem-aventurado Martinho Lutero, Doutor e Confessor da igreja, ajudou a encaminhar algumas de volta para suas famílias de origem, e as que não puderam voltar receberam a hospitalidade de algumas famílias.
Katharina e Martinho se casaram aos 13 de Junho de 1525. Tiveram uma união feliz da qual vieram seis filhos. Johannes, Elisabeth, Magdalena, Martin, Paul e Margaretha. Era boa dona-de-casa, e tornou conhecida a hospitalidade da casa por toda a região, que era sempre visitada pelos que procuravam seu marido, além de receber 4 órfãos em sua casa, que foram criados junto de seus filhos. Após a morte de Martinho Lutero em 1546, Katharina permaneceu em Wittemberg, mas viveu seus dias na pobreza. Morreu de um acidente enquanto viajava com seus filhos para Torgau na tentativa de fugir da praga.

Katharina von Bora se tornou exemplo de uma vida dedicada à família e de eterno suporte às angústias e temores de seu esposo, soube edificar sua casa, empregou seus estudos para aconselhar Lutero em questões teológicas e eclesiais. Empregou o tempo ao lado de Lutero em tratar de terras e gado para o sustento da família, embora não pudesse ter desfrutado disto na velhice por conta das guerras, sua generosidade nos tempos bons foi retribuída então, embora não pudesse manter o mesmo padrão de vida de antes, por famílias que haviam sido atendidas por ela e seu esposo. Em seu leito de morte, suas ultimas palavras teriam sido “ Eu me apego em Cristo como um carrapicho que gruda nas roupas” 


Oração 

Ó Deus, nosso refúgio e fortaleza, que levantou vossa serva Katharina para ser adjutora de seu esposo na tarefa de reformar e renovar vossa Igreja à luz de vossa Palavra. Defendei e purificai a Igreja hoje e concedei que, por meio da fé, sejamos adjutores de nossos pastores e professores da fé como eles a tem proclamado e administrado das riquezas de vossa graça reveladas em Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina com o Pai e com o Espírito, um só Deus, agora e sempre,
Amém.

4ª Antífona - Ó Chave de Davi



Ó Chave de Davi, cetro da casa de Israel que abre e ninguém fecha, fechas e ninguém abre; vem liberar da prisão quem está em cativeiro, nas trevas e à sombra da morte.

O Clavis David, et sceptrum domus Israel, qui aperis, et nemo claudit; claudis, et nemo aperit,veni et educ vinctum de domo carceris, sedentem in tenebris, et umbra mortis.

Até mesmo em monarquias, os reis não podem governar sozinhos. Eles precisam de alguns oficiais que cuidarão das questões corriqueiras e limitam o acesso à presença do rei, de modo que o rei não perderá seu tempo em questões triviais ou em matérias que o tirem do foco de seus planos. Isaías anuncia o plano de Deus para um oficial. Ele tinha o símbolo da autoridade do rei, a Chave de Davi, de modo que ele poderia abrir portas que não poderiam ser trancadas novamente, ou poderia fechar as portas e ninguém teria o poder de abri-las. (Isaías 22:22)

Nas cartas as sete igrejas de Apocalipse, Jesus anuncia que ele tem as Chaves de Davi e o que ele abre ninguém pode fechar, e o que ele fecha ninguém pode abrir. (Ap 3:7) Muitos tentam colocar fardos para os cristãos, barrar o acesso ao Pai, bloquear o caminho deles para o céu e inventam muitas regras e preceitos para que alguém consiga chegar a Deus.

Mas Jesus é a Chave de Davi, que abriu o Reino Celestial por sua própria morte e ressureição. Para todos os que creem, os céus estão sempre abertos e ninguém pode fechar. Ele remove o pecado que impede nosso caminhar e fecha as portas do Inferno para sempre.

Hoje, através de seus ministros, Ele concede as chaves para abrir o reino celeste ao pecador arrependido e nos dá comida e bebida para viagem, a saber, seu próprio corpo e sangue. Isto nos sustentará até que cheguemos em casa, onde as portas sempre estiveram abertas para nós. 


Vem, Chave de Davi, oh, vem!
descerra o céu de todo bem
e ali, na porta que abrirás,
suprema glória nos darás.

Dai glória a Deus, ó Israel!
Virá em breve Emanuel!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

3ª Antífona - Ó Raiz de Jessé


Ó, Raiz de Jessé, erguida como estandarte dos povos, em cuja presença a realeza ficará calada e a quem as nações invocarão; Vem nos libertar, não tardes jamais. 

O Radix Jesse, qui stas in signum populorum, super quem continebunt reges os suum, quem gentes deprecabuntur, veni ad liberandum nos, iam noli tardere. 

O título da antífona do dia vem de Isaías 11. O povo de Israel era infiel a Deus, indo após ídolos dos gentios. Deus já havia pesado seu juízo sobre o reino do Norte, Israel já não existia como um reino. Os Assírios reduziram tudo a escombros e terra desolada estava sem homens fortes para o trabalho. Isaías profetizou que isto também ocorreria na casa do sul, Judá. A Casa de Davi seria destruída. A profecia diz que a raiz desta árvore brotaria de novo. O Messias seria este novo ramo brotando da raiz de Jessé, o pai do Rei Davi. E o domínio estaria sobre seus ombros... eternamente. 

Isaías então troca a imagem. A raiz agora é um estandarte, um tipo de bandeira, para a qual os povos correriam. Antes da comunicação eletrônica, exércitos usavam trompas e estandartes para manter suas forças unidas e para enviar ordens para as unidades no fronte de batalha. Sons altos, explosões, armas em batalha, fumaça, tudo isto torna um ambiente de guerra desorientador. Quando os saldados perdiam a noção de onde deveriam estar, eles olhavam em volta para procurar o estandarte. Este era o caminho seguro para seguir. 

O messias seria, como nos diz Isaías, o estandarte para o qual o povo de Israel e os gentios de todas as nações olhariam. Ele ajuntará seu povo em paz. A Antífona do dia foca no poder absoluto do Messias sobre todos os reis. Ela o invoca para que nos livre da tirania dos homens sem demora. 

Quando o Messias tomou sobre si livrar o homem, ele nos libertou do diabo e do poder do pecado. Isto ele fez com o sacrifício de sua própria vida em nosso lugar. Quando Ele venceu o aguilhão da morte, abriu a todos os fiéis o reino Celeste. Quando ele vier novamente, ele completará sua obra de libertar os cativos, o pecado será extirpado e viveremos com ele eternamente, finalmente estaremos junto ao estandarte, à sombra do Onipotente. 

Oh vem, Rebento de Jessé, 
E aos filhos teus renova a fé; 
Que o diabo possam derrotar 
E sobre a morte triunfar! 

Dai glória a Deus! Emanuel 
Virá em breve, oh Israel!

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

2ª Antífona - Oh Adonai


O Adonai, et dux domus Israel, qui Moysi in igne flammae rubi apparuisti, et ei in Sina legem dedisti, veni ad redimendum nos in brachio extento.

Oh Adonai e guia da casa de Israel, que apareceu para Moisés na sarça ardente e deu a ele a Lei no Sinai, venha com seus braços estendidos a nos redimir.


Moisés estava cuidando dos negócios de seu sogro, suas ovelhas, quando ele viu um arbusto que estava em chamas, mas não se consumia por elas. Quando ele se aproximou para ver o que acontecia, o Anjo do Senhor (O próprio Deus-Filho pré incarnado) falou com ele da sarça. Ele encarregou Moisés de libertar o povo de Israel da escravidão no Egito. Tentando fugir desta tarefa de alguma forma, Moisés perguntou o nome de Deus. “Eu Sou o que Sou” o Messias respondeu (Êxodo 3). Este nome nós pronunciamos YAHWEH. Um nome composto por quatro consoantes em hebraico (יהוה). Depois do exílio na Babilônia, os judeus decidiram não pronunciar o nome para que ele não fosse tomado em vão. Ao invés disto, eles diziam “Adonai”, significando “Senhor”. Onde quer que o Anjo do Senhor apareça no Antigo Testamento, este nome é dado a ele. Ele revelou a Lei de Deus a Moisés no mesmo local, tempos depois quando o povo estava liberto.

Por que o Messias é Deus eternamente, não há nada que ele não possa fazer. Ele amou seu povo, enviou Moisés para libertá-lo. Ele mostrou seu poder através de pragas e milagres, incluindo a abertura do Mar, que as Escrituras chamaram de o braço estendido do Senhor (Dt 7:19)


Esta oração clama ao Messias que vem e nos redime. Desta vez não com a força de seu poder em sua majestade não velada, mas o poder de o próprio Deus pagar o preço de nossa salvação, não com ouro nem prata, mas com seu sangue. Ele mesmo se tornou o preço de nossos pecados. Um dia ele virá novamente em Glória para redimir seu Israel para sempre, a morte será vencida, o pecado e o mal serão passado. Naquele dia, seus braços estendidos restaurarão todas as coisas e todos confessarão a Jesus como o Senhor, para a glória de Deus Pai.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

1ª Antífona - Ó Sabedoria!


O Sapientia, quae ex ore Altissimi prodiisti, attingens a fine usque ad finem fortiter, suaviterque disponens omnia, veni ad docendum nos viam prudentiae.

Ó Sabedoria, procedente da boca do Altíssimo, permeado a criação, ordenando todas as coisas, Venha e nos ensine o caminho da prudência.


Na linguagem formal da igreja, dias importantes são celebrados ao longo de oito dias. Isto é um símbolo da vida eterna. Como existem apenas sete dias na semana, o oitavo dia é tido como aquele dia que há de vir, que está além do tempo regular, o dia que não mais terá fim na presença do Senhor, juntamente com os anjos e arcanjos e toda a companhia celeste, louvando o cordeiro que foi morto, mas vive eternamente. Desta forma, todo o serviço é conduzido até o oitavo dia. A oitava do natal é o dia de ano novo, quando a igreja relembra a circuncisão de Jesus. 17 de dezembro é, de certa forma, uma oitava anterior ao natal, neste dia, começamos as Antífonas.

A primeira petição medita no título “Sabedoria”. Na filosofia popular da Grécia e de Roma, Sabedoria é ensinada como o Verbo (Logos — λόγος), o qual é divino em si mesmo e vem para o mundo para instruir os dignos na sabedoria. (σοφία — Sofia). Isaías profetizou que o Espírito de Sabedoria estaria sobre o Messias (Isaias 11:1-9). Nas Escrituras, Sabedoria não diz respeito ao o que se conhece, mas a quem se conhece. O princípio da sabedoria é o temor do Senhor e é construída na confiança de que Deus é fiel em suas promessas no Evangelho (isto é fé). A Sabedoria escuta a voz de Deus, pondera sobre o reto agir e deliberadamente age de acordo. Nesta oração, pedimos a Deus que nos ensine a viver desta maneira.

A mais alta forma de sabedoria é a cruz. Lá, Deus mesmo é sacrificado para pagar o preço de nosso pecado. Parece loucura para o mundo, matar Deus para o bem dos malvados, ainda assim, para nós, esta é a mais profunda sabedoria (1 Coríntios 1:18-25). O caminho da Sabedoria, portanto, é confessar os nossos pecados, receber o perdão e então, entregarmos nossas vidas em favor do próximo.


O come, Thou Wisdom from on high, Who ord’rest all things mightily;To us the path of knowledge show, And teach us in her ways to go. Rejoice! Rejoice! Emmanuel Shall come to thee, O Israel!

LSB, 357, II

domingo, 16 de dezembro de 2018

O problema do ecumenismo - A Unidade da Fé



É comum hoje em dia falarmos em ecumenismo. Alguns apoiam, outros são contra, outros não sabem do que se trata. Mantendo esta questão simples, podemos dizer que há tipos diferentes de ecumenismo. O primeiro tipo é o unionismo, o movimento que prega que todas as religiões deveriam não apenas se tolerar mutuamente, mas defendem uma religiosidade que seja a soma de todas as demais, uma grande religião universal com um pouquinho de cada uma. O segundo tipo, é o ecumenismo cristão, ou seja, o grupo que defende que todas as vertentes especificamente cristãs devem buscar uma aproximação. O terceiro tipo, é o diálogo ecumênico cristão: nesta forma, não há proselitismo (a busca de tentar fazer o outro a mudar de igreja), mas a disposição de que cada um mantenha sua confessionalidade em sua própria denominação, mas também reconheça em outros grupos um cristianismo legítimo e possa dialogar com os outros sem transformar isto em um conflito. 

De certa forma este diálogo é bem presente em minha vida, tendo parte da família sendo católica, parte batista, muitos amigos presbiterianos, e eu sendo o único luterano em minha casa. Todos cristãos, com a Graça de Deus! Também tive a graça de ser chamado a participar de um grupo com esta visão de diálogo ecumênico formado por pastores e leigos. Graças a estas conversas pude me deparar com questões que me aguçaram a curiosidade e não me deixaram parar de estudar mesmo após a minha formação. 

Uma coisa, entretanto, me chamou muito a atenção em todos estes debates: os católicos, sejam romanos ou ortodoxos sempre me pareciam ser muito mais estudados que os demais! Era sempre um vocabulário que exigia que eu parasse, analisasse, abrisse alguns livros para entender primeiro a ideia que queriam comunicar e depois disso formular uma resposta. (enquanto escrevo este artigo, tem um amigo meu esperando uma resposta há uma semana e ainda estou analisando o todo da questão). 

Por fim, na verdade a questão não se trata de algum tema que nunca tenha visto, ou que se não souber a resposta eu não saiba onde recorrer, é algo muito mais sutil: POLISSEMIA. 

Esta palavra estranha significa um conceito que sempre nos deparamos no dia-a-dia: uma mesma palavra pode ser interpretada de formas muito diferentes. Eis o problema quando falamos também das questões de fé. 

Como um luterano, estudado em um seminário presbiteriano, criado em uma família batista, isto é bem claro para mim. Qualquer um que viva um ambiente plural assim saberá do que estou dizendo. É preciso escolher as palavras com muito cuidado. Uma coisa corriqueiramente dita em um meio denominacional pode ser muito malvista dentro do contexto de outra denominação. Um exemplo simples é o “livre-arbítrio” isto para um luterano significa a capacidade do homem, como um ser racional de escolher conforme a sua vontade coisas que a razão humana pode compreender. Já no meio presbiteriano, este conceito é chamado de livre-agência, e o nome “livre-arbítrio” designa uma antiga heresia da história da igreja. Esta antiga heresia, para um católico chama-se “pelagianismo”, e o livre-arbítrio volta a ser entendido como uma capacidade de escolha. 

O ponto importante aqui é que se entenda que numa mesma época, numa mesma região, falantes de uma mesma língua tendem a entender conceitos de modo diferente simplesmente porque sua vertente religiosa costuma usar o termo dentro de um contexto muito específico. 

Este ponto é muito importante, porque diz respeito ao que cremos e ao que confessamos como cristãos, e boa parte dos “debates apologéticos” que tenho visto, pouco possuem de real conteúdo apologético, e em grande parte debatedores tentam combater espantalhos construídos por eles mesmos ao considerarem que o outro está a usar o termo da mesma forma que ele o usa. 


Neste quesito, o Cristianismo sempre pregou a unidade da fé. Não que a fé DEVA ser una, mas que a fé cristã É una, e por isto mesmo a dizemos “católica”, ou seja: a mesma crida e confessada em todas as épocas e em todos os lugares. No entanto, há uma inegável diversidade dentro do cristianismo. 

De um ponto-de-vista católico romano, podemos dizer que a unidade na fé segue o conceito mais estrito, e digo isto ao me deparar com a recente excomunhão de um padre em Novo Hamburgo, entre os motivos listados pela diocese segue-se ipsis litteris o conteúdo divulgado pela própria diocese: 

“Negou, insistentemente, que “a única Igreja de Cristo, que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica, (…) constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele” (Constituição Dogmática Lumen gentium, n. 8b). Reiteradas vezes apresentou a Igreja governada visivelmente pelo Papa e pelos Bispos em comunhão com ele como sendo uma em meio a tantas outras.” 

Assim, podemos entender a fé católica segundo Roma como: 

· Eclesial: A fé da Igreja precede, gera, suporta e nutre a nossa fé 

· Decorre da visibilidade da Igreja: se encontra circunscrita aos limites da igreja 

· Possui um elemento credal (os credos católicos) e um elemento confessional (dispositivos dogmáticos adstritos aos seus fiéis) 

· Entre os elementos confessionais, a fé repousa sobre o tríplice e indivisível aporte das escrituras, tradição e magistério in totum

Em suma, esta unidade eclesial da fé implica a tradição como elemento de fé católica, bem como todo o magistério, excluindo-se, portanto, a alteração de rito, a interpretação do texto bíblico e a forma de governo da competência de seus fiéis ou mesmo de seus líderes de modo individual. 

Por outro lado, vemos que o mesmo motivo que, segundo Roma levou um padre a excomunhão não seria tão severamente percebido entre os católicos ortodoxos, como a célebre citação de A.S. Chomjakov: 

“Tanto quanto a Igreja terrena e visível não é a totalidade e completitude do toda da Igreja que o Senhor indicou para aparecer no julgamento final de toda criação, ela age e conhece somente o que está dentro dos seus limites próprios; e... não julga o resto da humanidade, e só olha para aqueles como excluídos, isto é, não pertencendo a ela, aqueles que se excluíram a si próprios. O resto da humanidade, seja estranho à Igreja, ou a ela unidos por laços que Deus não quis revelar a ela, ela deixa para o julgamento do Grande Dia» (The Church is One, Seção 1) 

É um ponto relevante que para o católico ortodoxo, não existe a ideia romana de ser a tradição um dos pilares da fé, antes, fé e tradição são termos iguais, assim, podemos ler segundo publicado pela Arquidiocese Ortodoxa de Buenos Aires:
“Tradição Cristã, nesse caso é a fé que Jesus Cristo concedeu aos Apóstolos, e que desde os tempos apostólicos tem sido passada de geração em geração na Igreja (Comparar com Paulo I Co. 15:3). Mas para um Cristão Ortodoxo, Tradição significa algo mais concreto e específico que isso. Significa os livros da Sagrada Escritura; significa o Credo; significa os decretos dos Concílios Ecumênicos e os escritos dos Padres; significa os Canons, os Livros de Ofícios, os Santos Ícones — de fato o sistema doutrinal completo, o governo da Igreja, a louvação e a arte que foram articuladas pelos séculos. O Cristão Ortodoxo de hoje vê-se como herdeiro e guardião da grande herança recebida do passado, e ele acredita ser sua obrigação transmiti-la não prejudicada ao futuro. (...) Com certeza (assim esse grupo estrito acrescenta) a graça divina é ativa entre muitos não-Ortodoxos, e se eles são sinceros em seu amor por Deus, então podemos estar seguros que Deus terá misericórdia por eles; mas eles não podem em seu estado presente, ser denominados membros da Igreja. Trabalhadores pela unidade Cristã que não encontram com frequência essa escola rigorista não podem esquecer que tais opiniões são sustentadas por muitos Ortodoxos de grande erudição e santidade.” 

Assim, podemos entender a fé católica segundo a Ortodoxia como: 

· Eclesial: A fé da Igreja precede, gera, suporta e nutre a nossa fé 

· Decorre da visibilidade da Igreja, mas não se encontra circunscrita aos limites da igreja 

· Possui um elemento credal (os credos católicos) e um elemento confessional (dispositivos dogmáticos adstritos aos seus fiéis) 

· Entre os elementos confessionais, a fé inclui todo um zeitgeist por ser indivisível da tradição, portanto não fazendo diferenciação entre elementos essenciais e não-essenciais para a salvação. 

· Admitem a unidade na diversidade: A Igreja Ortodoxa é uma família de Igrejas irmãs, descentralizadas em estrutura, o que significa que comunidades separadas podem ser integradas sem perder sua autonomia, a unidade do magistério não é artigo de fé nos mesmos moldes que Roma coloca. 

Assim, conclui-se que o conceito de unidade na fé para um ortodoxo é levemente mais amplo que para um católico romano, assim, dois ortodoxos, pertencentes a patriarcados diferentes não teriam problemas em ver a igreja e a fé como sendo una, ainda que haja uma organização exterior diferente, um católico romano já veria nisto, seguindo rigidamente seus cânones, uma ruptura, embora ambos confessem igualmente “Creio na Igreja Una , Santa, Católica e Apostólica.” Percebe-se que o conceito de unidade não é exatamente o mesmo. 



Ainda temos outros modelos de unidade na fé, próprios do terceiro grande grupo da cristandade, os protestantes. 

Começando pelos que afirmam a catolicidade de sua fé, a saber a via media composta por Anglicanos e Luteranos. Temos nuances que valem ser notadas. 

Começando com os Anglicanos, ponderando sobre a conferência Anglo-Russa de 1956, o Arcebispo de Canterbury, Rev. Ramsey, noticiou o ponto de vista Ortodoxo nestes dizeres: "Os Ortodoxos com efeito disseram: “A Tradição é um fato concreto aqui está ela, em sua totalidade. Vocês, anglicanos, aceitam-na, ou vocês a rejeitam? A Tradição é para os Ortodoxos um todo indivisível: A vida inteira da Igreja em sua completitude de crença e costumes através dos séculos, incluindo Mariologia e a veneração dos ícones. Confrontado com esse desafio, a resposta foi: "Nós não olharíamos veneração de ícones e Mariologia como inadmissíveis, desde que em determinando o que é necessário para a salvação, nós nos confinemos à Sagrada Escritura." Mas essa resposta só põe em relevo o contraste entre o apelo Anglicano para o que considerado necessário para a salvação e o apelo ortodoxo para o organismo Uno e Indivisível da Tradição ("The Moscou Conference in Retrospect" Em Sobormost, serie 3, nº23, 1958, p. 562-563). 

Do lado Luterano há um contraste pertinente em seus documentos confessionais, mais especificamente na Confissão de Augsburg: 

“ARTIGO 7: DA IGREJA (...) Porque para a verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente de acordo com a reta compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus. E para a verdadeira unidade da igreja cristã não é necessário que em toda a parte se observem cerimônias uniformes instituídas pelos homens. É como diz Paulo em Efésios 4: “Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. 
ARTIGO 8: QUE É A IGREJA Além disso, ainda que a igreja cristã, propriamente falando, outra coisa não é senão a congregação de todos os crentes e santos, todavia, já que nesta vida continuam entre os piedosos muitos falsos cristãos e hipócritas, também, pecadores manifestos (...) 

Martin Bucer abordou Lutero nos debates de Marburg, um célebre episódio: “Peço-te que me reconheças como irmão, ou crês que estou no erro?” Em resposta, Lutero disse: “Fica claro que não temos o mesmo espírito. Pois não podemos ter o mesmo espírito quando uma parte acredita na Palavra de Cristo com fé inocente, ao passo que, na outra, a mesma fé é censurada, contestada, difamada e violada com toda sorte de blasfêmia absurda.” E esses dois grandes grupos da Reforma nunca se reconciliaram. 

Assim, podemos entender a fé católica segundo a ala central do protestantismo histórico como: 

· Eclesial-instrumental: A fé da Igreja suporta e nutre a nossa fé em caráter instrumental sendo sua origem puramente na obra divina, a igreja é o resultado do legado da fé, mas não a gera. 

· Decorre da invisibilidade da Igreja: a comunhão dos santos não se detém aos limites denominacionais. 

· Possui um elemento credal forte (os credos católicos) e um elemento confessional (dispositivos dogmáticos adstritos aos seus fiéis). A unidade da fé é essencialmente credal. 

· Entre os elementos confessionais, a fé admite um zeitgeist marcado pela ampla liberdade devocional, portanto fazendo diferenciação entre elementos essenciais e não-essenciais para a salvação. Há a prescrição de ritos para o culto público com relativa elasticidade. 

· Admitem a unidade na diversidade: Reconhece-se uma família de Igrejas irmãs, descentralizadas em estrutura, comunidades não perdem sua autonomia, a unidade do magistério não é artigo de fé, mas reconhece-se como bom todo magistério e tradição, subordinando-os ao crivo das Escrituras. 

· Assume-se as Escrituras como FONTE de fé e prática. 

Ao contrário da ala central, por vezes também chamada de moderada dos protestantes históricos, existe a ala radical, na qual me restrinjo a falar dos presbiterianos e Batistas, os atuais grandes representantes do calvinismo e dos anabatistas, respectivamente. 

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar, para que haja justiça que não há um compêndio único de doutrinas, para estas igrejas há alguns documentos disponíveis sobre os quais se pode optar, assim os reformados podem optar pelo diretório de Westminster e seguir uma linha mais extrema, ou pelas “três formas de unidade”, um compêndio que dialoga melhor com as outras igrejas protestantes históricas. Os Batistas possuem Declarações de Fé que se aproximam dos termos de Westminster nas duas versões históricas: 1622 e 1689, e algumas declarações das Convenções Batistas já bem mais modernas, qual delas adotar é ato discricionário de cada congregação. 

Por analisarmos o conceito de fé neste momento da ala radical da reforma, nos restringimos então às duas icônicas: Westminster e a Declaração de fé Batista de 1689. 

Em um artigo anterior chamado de “Diferenças entre Batistas e Luteranos” este ponto já foi abordado, no catecismo maior de Westminster lê-se: 

1. Qual é o fim supremo e principal do homem? Resposta. O fim supremo e principal do homem e glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. 
Não é uma má resposta, mas disto surgiu uma discussão relevante: Como o homem então pode glorificar a Deus? Esta era uma discussão relevante, pois dela dependia o entendimento da primeira questão do catecismo. Esta questão, em termos práticos foi resolvida de uma forma que mais tarde, em 1689 os batistas colocariam em seu texto sob o ponto 6: 

Reconhecemos que há algumas circunstâncias, concernentes à adoração a Deus e ao governo da igreja, que são peculiares às sociedades e costumes humanos, e que devem ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as normas gerais da Palavra que sempre devem ser observadas. 

Para que o homem cumpra seu fim de glorificar a Deus, além dos ditames Bíblicos para agravar as consciências e nos deixar o que deve e o que não deve ser feito, também se admite como regra para o fim de que o homem possa glorificar, as listas de regras sobre a prudência, formuladas por cada igreja local. A exemplo disto, criou-se o conceito de que o consumo de álcool seja pecado, o fumo, embora visto como pecado entre os brasileiros, é aceito entre os americanos, ideias políticas diferentes da cosmovisão ditada, também seriam pecados, mesmo que não haja respaldo escriturístico diretamente sobre o tema. 

Neste sentido, a tradição reformada chamará estas listas de prudência cristã de “cosmovisão cristã” e os batistas a chamarão de “mordomia cristã”, sendo basicamente equivalentes. 

Assim, podemos entender a fé segundo a ala radical do protestantismo histórico como: 

· Não católica: nega-se, via de regra, haver um mesmo depósito de fé entre o protestantismo e os católicos, sejam romanos ou ortodoxos. Alguns negarão também haver fé comum com os neopentecostais. 

· Eclesial-instrumental: A fé da Igreja suporta e nutre a nossa fé em caráter instrumental sendo sua origem puramente na obra divina, a igreja é o resultado do legado da fé, mas não a gera. A forma de a igreja nutrir a fé é exclusivamente através da comunhão entre irmãos e a proclamação da Palavra, exclui-se os sacramentos como fonte direta de fé. (Embora o calvinismo clássico não sustente este ponto) 

· Decorre da parcial invisibilidade da Igreja: a comunhão dos santos não se detém aos limites denominacionais, embora esta questão esteja ainda sendo trabalhada em muitas comunidades. De modo semelhante à ortodoxia, crê-se que Deus pode salvar, por Misericórdia os de fora, embora não sejam a igreja verdadeira. 

· Podem possuir um elemento credal discreto (os credos católicos) e um elemento confessional forte (dispositivos dogmáticos adstritos aos seus fiéis). A unidade da fé é essencialmente confessional. Pode haver graça divina fora da igreja, desde que o fiel individualmente creia conforme as constituições dogmáticas protestantes. 

· Entre os elementos confessionais, a fé admite apenas um zeitgeist marcado pela orientação denominada “cosmovisão” ou “mordomia”, portanto fazendo diferenciação entre elementos essenciais e não-essenciais para a salvação, preservando-se os essenciais e rejeitando-se os não-essenciais. Há a prescrição de ritos para o culto público com relativa elasticidade apenas para os presbiterianos. Batistas não possuem uma liturgia ritualística (salvo algumas congregações que individualmente decidiram adotar) 

· Admitem a unidade na diversidade: Reconhece-se uma família de Igrejas irmãs, comunidades não perdem sua autonomia, rejeita-se o magistério e a tradição histórica. Elege-se um compêndio doutrinário localmente entre as opções dadas no seio denominacional 

· Assume-se as Escrituras como REGRA de fé e prática. 



Diferenças nestas interpretações sobre o mesmo termo, com frequência tenho visto transformar grandes tratados teológicos de caráter apologético simplesmente em um peso morto. Não combatem, segundo a confessionalidade do autor uma questão real na confessionalidade de outro. Apenas pelo que se entende sobre “unidade na fé” e citada apenas uma parte das nuances do cristianismo, já se pode produzir um estudo completo. O termo “unidade”, por fim, tem vários sentidos e cada tradição cristã o entenderá de forma diversa, embora ninguém há de negar que a fé cristã seja una. 

Então nos deparamos com algo como a definição católica romana de fé como um ato de adesão pessoal, do homem todo, a Deus que se revela, e de outro lado lemos uma definição batista que diz ser a total entrega da personalidade. Ora, aderir é bem diferente de entregar segundo os dicionários. Entretanto, teologicamente, cada uma destas palavras em seus respectivos seios denominacionais, terá o mesmo sentido. Aderir é um termo que foca na ação inicial de Deus, onde o batista dirá aceitar e o luterano chamará de conversão intransitiva. Entregar, por sua vez diz respeito à resposta humana a esta ação, onde o católico dirá “crer” (art.180 CIC) e o luterano chamará de conversão transitiva. 

Se podemos até onde visto chegar a uma definição do que seja a “unidade da fé” teremos que os católicos romanos guardam a definição mais estrita, seguida pelos ortodoxos, protestantes da via media com a posição menos restritiva, e por fim, a definição da ala radical da reforma marcada por uma ruptura com os anteriores. Ainda assim, permanece a fé em todas estas linhas como a confiança no Deus que se revela e em sua promessa de perdão dos pecados, vida e salvação. Nisto toda a cristandade deposita sua convicção em uníssono, e não creio que possamos esperar uma unidade perfeita antes que passem os céus e a terra.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O Cristão na sociedade





Hoje o facebook me mostrou uma lembranda de uma publicação de 1 ano atrás que não poderia deixar perder, a seguir segue esta reflexão que é sempre pertinente, afinal, misturar Graça salvadora com cosmovisões, evangelho social, e outras ideologias que tem pregado que a presença do cristão deve transformar a sociedade ao seu redor:


Como hoje me incomodou logo pela manha ler em uma página "cristã" abaixo de um vídeo de violência na porta de uma repartição do governo Indiano o comentário "É só para vocês verem como todo país pagão que nega ou proíbe o Cristianismo é bárbaro, atrasado, ignorante, violento, brutal e miserável."

Apenas ressalto que há cristãos e muitas igrejas e universidades cristãs na Índia, eu mesmo devo parte de meus estudos a eles, aliás, num excelente programa de mestrado em Kerala, numa universidade Cristã. E, de forma alguma pode-se chamar o país de bárbaro e atrasado, possuem uma indústria cinematográfica que produz 10 vezes mais filmes que Hollywood e são mais populares que os filmes americanos por toda a ásia, Africa e Oceania. Possui tecnologia nuclear, e um dos mais avançados países do mundo nas áreas de tecnologia e ciência médica. Cristo não veio para fazer o país mais ou menos "civilizado", ele veio Redimir a humanidade condenada. Confundir a obra da Salvação com o que um país desenvolve ou não é distorcer a Graça. 
Fosse o desenvolvimento de um local o testemunho do cuidado de Deus, Belém, literalmente o berço do Cristianismo, continua uma vila que sobrevive de turismo religioso. Seria isto prova de que os cristãos não são tão protegidos e amados quanto os moradores de Dubai, todos muçulmanos? Teria Deus se esquecido dos Cristãos do leste europeu? Mortos aos milhares pela fome (e de outras formas mais diretas) sob a cortina de ferro? Não foi justamente o leste europeu que defendeu os limites do cristianismo quando o império romano do ocidente caiu? Enquanto Roma queimava sob os bárbaros, este mesmo local, hoje pobre, foi o grande defensor da civilização ocidental e da fé cristã por cerca de 1000 anos.
Então, seriam os deuses bárbaros mais fortes?
Impérios vem e vão, poder e dinheiro mudam de mãos o tempo todo, o país rico de hoje pode passar fome amanha. Países cristãos que foram os mais ricos e poderosos, hoje são sofridos. Países não cristãos que ha 50 anos eram inexpressivos, hoje florescem. Não, Deus não veio confirmar seu amor ao seu povo dando-lhes um país rico, ou situações de paz, ou uma politica exemplar. Deus veio nos redimir, como povo peregrino que não tem neste mundo uma pátria. Quer ver o amor de Deus? Não olhe para os confortos deste mundo, mas por cada situação que Deus guiou seu povo para que ele nunca deixasse de marcar seus pés nesta jornada. Quem olha as circunstâncias para avaliar o amor de Deus, não espera ser amado, mas mimado!


Eu vos tenho amado, diz o Senhor. Mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Malaquias 1:2a

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Relacionamentos abusivos


Quando Deus criou o homem e a mulher as orientações foram bem genéricas sobre como levar a vida: havia uma árvore da qual não deveriam comer, dar nome às coisas à sua volta... nada muito específico sobre como tratar com seu semelhante. O fato é que leis não surgem do nada, elas são a resposta à uma necessidade presente. É claro que ninguém se importaria há 2000 anos com leis sobre a distribuição da energia elétrica. Isto não era um problema naqueles tempos. Nem no éden houve a necessidade de grandes discursos sobre relacionamentos familiares e interpessoais. Não havia necessidade de leis para regular o relacionamento do homem para com Deus e com sua família antes do pecado. 
O pecado contaminou a humanidade, e com isso, nossa forma de amar se tornou impura, e aquilo que era natural, passou a precisar de leis. E então, a miséria humana levou ao mau uso da lei, tornando aceitável condutas contra as quais a lei foi feita. 
Neste sentido, a sabedoria divina se colocou a favor do homem e nos instrui, pela Palavra da verdade, no caminho de relacionamentos saudáveis. 
Infelizmente, o uso incorreto das orientações bíblicas tem, por vezes acobertado abusos “em nome de Deus”. 

O relacionamento Homem X Mulher 
A orientação bíblica às mulheres é “mulheres, sujeitem-se a seus maridos” 1 Pedro 3:1, o que geralmente costuma causar revolta em muitas mulheres pois isto significaria estar em uma posição de inferioridade e expostas à todo tipo de conduta abusiva, assim elas seriam empregadas de seus maridos, teriam que aguentar todo tipo de maus tratos, e afins. A resposta bíblica para isto é uma enérgica exortação ao marido: “Do mesmo modo vocês, maridos, sejam sábios no convívio com suas mulheres e tratem-nas com honra, como parte mais frágil e co-herdeiras do dom da graça da vida, de forma que não sejam interrompidas as suas orações. 1 Pedro 3:7. Assim, a orientação divina é tanto para as mulheres quanto aos maridos. Não há espaço para um relacionamento abusivo. A mulher devota sua vida para a honra de seu marido, e o marido para a honra de sua mulher. Isto é uma troca justa, é o viver altruístico, uma vida de entrega mútua. Infelizmente, ainda vemos o jugo da sociedade, especialmente dentro das igrejas muitas vezes culpando uma mulher por não ter sabido “manter o casamento”, quando é possível que esta tenha sido oprimida por qualquer coisa, menos o amor. 

O relacionamento Pais X Filhos 
Igualmente vejo com tristeza muitos dos filhos criados na igreja serem malvistos pelos adultos como filhos rebeldes, que entristecem seus pais, e o absurdo de dizerem algo como “não importa o que aconteça, você tem que obedecer. A bíblia manda!”. Por dentro me pesa o que alguns destes passam em casa. De fato, a orientação divina aos filhos é: “Filhos, obedeçam a seus pais em tudo, pois isso agrada ao Senhor. Colossenses 3:20, nisto, muitos já leem o verso enfatizando as palavras “em tudo”, como que expressando que não há limites ao poder dos pais, entretanto, a mesma palavra continua dizendo: Pais, deixai de irritar vossos filhos, para que não se tornem desanimados. Colossenses 3:21, ou ainda: E vós, pais, não provoqueis à ira vossos filhos, mas criai-os na disciplina e admoestação do Senhor. Efésios 6:4. Não que todos os filhos sejam exemplos de conduta, mas a Palavra de Deus é justa. Será que por vezes não apontamos o dedo para o filho revoltado quando na verdade este tem sido vítima em sua própria casa de um relacionamento abusivo? Eu conheço pessoalmente um caso onde alguns da diaconia da igreja foram visitar uma família para conversar com o filho que estava se tornando extremamente grosseiro e desrespeitoso com os pais, mesmo dentro da igreja. Ao exortarem duramente o jovem, ele, em lágrimas começou a narrar o que realmente acontecia dentro de casa, para espanto dos presentes. Anos debaixo de um relacionamento autoritário, sendo publicamente desmoralizado, recebendo tarefas abusivas. 

Patrões X empregados 
Outro ambiente onde comumente se ouve de abusos é o trabalho, embora não devesse ser assim. A sabedoria divina orienta aos patrões: Vocês, senhores, fazei o mesmo para com eles. Não os ameacem, uma vez que vocês sabem que o Senhor deles e de vocês está nos céus, e ele não faz diferença entre as pessoas. Efésios 6:9. Como fruto do amor de Cristo, patrões são chamados a um tratamento humano e cordial aos seus funcionários, assim como também aos funcionários coloca: obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo. Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. Efésios 6:5,6 

Resumindo:
Normalmente quando dizemos que uma pessoa foi abusada, pensamos apenas no sentido sexual. Não que os abusos não passem por este lado também, mas é preciso muito menos que isso para ferir uma pessoa. Pais podem estar abusando de seus filhos sem nunca violar sua integridade física. Maridos podem estar abusando de suas esposas e ainda serem defendidos por alguns dentro das igrejas, dizendo que ele tem esta “autoridade”. Pastores podem estar abusando de sua congregação, impondo usos e costumes como condições para a salvação, ou mesmo afastando da comunhão alguns de seus membros por não conseguirem viver de acordo com estes usos. De mesmo modo, crentes podem estar neste momento abusando de seus pastores ao ignorar o conselho da Palavra, tornando o trabalho de seu pastor demasiadamente difícil, roubando-lhe a alegria em servir. 

A lei: 
Relacionamentos abusivos estão em toda parte, e para toda situação, vemos a palavra de Deus nos exortando sempre a um ponto de equilíbrio. A viver o amor de se entregar, a considerar o próximo como superior a nós mesmos. Nunca, em momento algum Deus se põe a favor de que um lado seja desprezado. Nem mesmo Ele, que é Deus eternamente se relaciona assim conosco. Vivamos de acordo com este amor. 

O Evangelho: 
O fruto do pecado nos contaminou, não somos capazes de amar perfeitamente, Deus compreende a nossa falha e nos anima, mostrando-se sempre um pai amoroso e perdoador, ele aceita nosso amor imperfeito em Cristo, que nos ama perfeitamente. Quer sejamos vítimas ou causadores destes relacionamentos abusivos, Ele ainda nos convida e diz “Eu vos aliviarei”!