terça-feira, 13 de março de 2018

O uso da Lei no Éden.



O uso da Lei no Éden

Um ponto interessante e que me chamou a atenção foi uma discussão sobre a passagem em que se lê: “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” Gênesis 2:16,17.
Confesso que este texto ficou um pouco acadêmico demais, porém esta foi a única forma que consegui expor em poucas linhas um assunto complexo. 

Seria esta proibição de Deus um elemento supralapsariano (anterior à queda) da Lei dado aos homens mesmo antes do anuncio evangélico ( Gn 3:15)? 
Para que possamos dizer que houve o anuncio da lei mesmo antes da queda da humanidade, precisamos pontuar objetivamente o que é a natureza da Lei. 

Em termos gerais, Lei é a vontade que prende os súditos por meio de ordens e penas; é a expressão da natureza do poder governante e revela as relações naturais dos súditos com o seu governante. Portanto, a Lei é uma expressão da natureza do legislador e estabelece a condição que é requisito para a harmonia com esta natureza.
Especificamente falando, a Lei de Deus, portanto, é a expressão geral da vontade divina imposta pelo poder, e portanto, podemos entende-la como presente no Éden em duas manifestações: 

A primeira, a Lei Elementar, gravada nos elementos, substâncias e forças da criação, são leis físicas, impostas pelo poder divino. Esta ordem física não é um fim em si mesma, mas existe por causa da ordem moral. A ordem física tem, portanto, somente uma constância relativa e, por vezes, suplementada com os milagres. Sobre esta manifestação da Lei, Santo Agostinho já dizia “ Dei Voluntas rerum natura est” ( A natureza das coisas é a vontade de Deus). Esta cambiável expressão da vontade Divina expressa na ordem das coisas, de fato é uma Lei que regia o Éden desde sua criação. 

Com efeito, há diferença entre as Leis do universo moral e as da física, a saber, que não ligamos à existência do universo moral a um ato da vontade divina, como o fazemos com o universo físico. Dizer que Deus deu existência à bondade, assim como o fez com as leis da natureza, equivaleria dizer que Deus deu existência a si mesmo. Portanto, temos na Lei moral o reflexo do caráter do próprio Deus, sendo assim, eterna e imutável como o mesmo. Sem dúvidas, falamos de uma expressão da Lei anterior ao Éden. 

Para entendermos qual a natureza da lei em Gn 2:17, deve-se ter por claro que na lei moral existe força somente por intermédio da punição, nunca pelo poder, pois isso confundiria a lei moral com a física. Na lei física, a coação vem somente através do poder e a punição é coisa impossível. Quando o homem é livre, de modo algum está sujeito à lei, no sentido físico, mas é livre SOB a lei, quando imposta pela punição. A lei de Deus, então, é simplesmente uma expressão da natureza Dele na forma de requisito moral e expressão necessária de tal natureza em vista da existência de seres morais (Sl 19:7). Concluímos que esta lei moral, imposta sob punição e pré-existente ao lapso (queda), a ideia desta harmonia ativa em Deus sob a forma de vontade, é a lei de Deus que se constitui na revelação para o homem conformar-se com a natureza divina, declarando o que deve ser.
Podemos dizer então que a Lei apresenta em todas as suas partes a natureza do único legislador, e expressa, em cada parte, incluso no Éden, o único requisito de harmonia com o Criador “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” Mateus 5:48. 

Então sobre Gn 2:17, a proibição de se comer do fruto, vemos no caso do primeiro homem o único caso onde a lei foi posta sem sua contraparte, o Evangelho. Com o primeiro pecado, toda a esperança de se obter favor divino de salvação mediante qualquer obra se perdeu. Para os pecadores, a lei continua como um meio de descobrir o pecado em sua verdadeira natureza e de compelir que se recorra à misericórdia providenciada em Cristo.

No plano soteriológico, portanto, a Lei anunciada em Gn 2:17 é interrompida por uma história que começa na queda, dando início à busca pela justificação mediante o peso da acusação da lei que agora surtia seus efeitos em seu uso regulador, como lei física que gerou a morte física, em seu segundo uso, como lei moral, surtindo efeito na punição, qual seja, destituídos da Glória de Deus, e então a narrativa volta, no capítulo 3, anunciando a mensagem evangélica em Gn 3:15.

É bem verdade que não podemos falar em terceiro uso da lei (o uso próprio dos cristãos) na norma divina anunciada anteriormente à queda, de igual modo, não podemos pensar na criação do homem sem a manifestação da Lei desde o princípio. Lembremos todos que a Lei divina conduz a Cristo. Aquele que é o ideal, também é o meio para atingir este ideal! 



Sola Gratia
Solus Christus

Nenhum comentário:

Postar um comentário